sexta-feira, 25 de julho de 2008

A Visita da Banda



Assim como é irresponsável e pretensioso julgar um filme exatamente após assisti-lo,
é duvidoso posicioná-lo nesse ranking mental que fazemos das melhores obras que já vimos em nossa vida. Por isso talvez esteja escrevendo ainda com o calor da proximidade e do impacto.

Fato é que , no meu imaginar, “A Visita da Banda” (ou A Banda. co-produção EUA-França –Israel), do diretor israelense Eran Koliri, é um dos filmes mais profundos que vi nos últimos tempos.

Trata-se de uma suposta comédia leve e singela e que fala sobre uma banda de cerimônia egípcia que se perde em um pequeno bairro Israel e se relaciona com seus moradores de formas inusitadas. Por um lado mais intelectual, poderia-se dizer que mostra algo da incomunicabilidade (barreira da língua, cultura e, neste caso, ódio histórico) dos homens e o elogio da comunicabilidade já que, mesmo com essas barreiras, eles se entendem. Pode-se defini-lo de diversas formas, assim como quase tudo na vida.

Mas o que mais me espantou na obra é que ela, antes de tudo, é silêncio. E não é pelo ritmo como as coisas passam. É mais pela simplicidade de mostrar o que tem que mostrar, como lidamos com nossos sentimentos em nossas rotinas, como calamos, de que forma expressamos e o que tentamos resolver e o que escondemos. Sem nenhum artíficio dramático e cenográfico além de pessoas e o diálogo eloqüente e inteligente dos olhos, o filme, cru e ordinário, mostrou um pequeno pedaço desse grande tecido do qual somos feitos.



Os personagens somos nós, em algum momento, em alguma parte que não vemos. O músico que nunca terminou seu concerto e , com as mãos inertes, suprime seu desejo de reger a banda, o general supostamente autoritário e líder da banda que , mesmo responsável por sua dor (há que ver), aprende a lidar lentamente com suas próprias verdades, um rapaz que vê a vida passar como se nada e aceita o cotidiano e o amor como se não tivesse o que fazer, o galã egípcio que, de filho rebelde, passa a ter uma relação de pai com um adolescente israelense, o homem que espera eternamente a ligação da namorada toda as noites num orelhão público, a mulher solitária e generosa que junta os próprios cacos em pedaços de outros homens e a beleza de cada um dos personagens, que o diretor às vezes revela e às vezes cala, como se soubéssemos que algumas histórias e visões de vida vão para o túmulo com a alma de uma pessoa.

Além disso, o filme tem um jogo cênico baseado no corpo, na imobilidade do corpo, que se descolore junto com o monocolorido deserto israelense. Cenas históricas e geniais como o gala egípcio ensinando ao jovem o que fazer com uma garota triste. Cenas oníricas e curtas (como se de propósito) do general explicando o que sente ao reger (sem uma palavra). Há um pouco de cada elemento que vivemos em dois dias aparentemente inusitados, cheios de tristeza, mas com a inevitável renovação de esperança diária, esse sentimento tão falado e pouco entendido (exatamente porque não pertence à compreensão racional).

E para os que procuram um motivo hollywoodiano ao ver um filme, achará na, sem exagero, a mulher mais linda do cinema mundial atualmente, a quarentona Ronit Elkabetz.

Entre tantas definições do que é bom cinema e o que não é, o que deve ser visto e o que nao deve, prefiro ficar com o silencio e a sabedoria de uma obra gigante e simples como "A Visita da Banda".

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Feira Orgânica da Glória - Um passo para um mundo melhor


Sim, é difícil nao se sentir cada dia pior diante do que nós mesmos fazemos ao mundo. Principalmente no que diz respeito ao meio ambiente. Mas algumas coisas estao bem perto, ao lado da nossa vontade.

Outro dia estava vendo um documentário da BBC, Truth About Global Warming. Nele, além de dados alarmantes e preocupantes sobre o nosso futuro próximo, vi uma simulacao muito interessante, que aproxima os problemas ambientais dos nossos atos. Inventaram uma tal de família Carbono , composta por pai, mae, uma casal de filhos e um cachorro. Eles sao da classe média inglesa, legais, amáveis, ajudam nas festas da comunidade, tehm bom coracao e acreditam em Deus. Mas sao parte atuante e fundamental de uma dura verdade: metade do dióxido de carbono lancado na atmosfera, vem de atividades domésticas (ao terem dois carros, ao consumirem muita carne, ao gastarem água, ao gastarem luz, ao gastarem no aquecedor etc). O doc fala também de alguns passos para reduzirmos nossa carga nesse assassinato.

Boa parte desses passos é simples e imediatamente viável, mas existe uma um pouco complicada diante da mentalidade de nossos irmaos e dos fatos concretos que temos em vista.: consumo de produtos agrícolas de agricultores locais.

Há idéia é que os alimentos locais nao precisam de transportes longos, nao gastam combustível e sao ecologicamente menos agressivos (já que o pequeno produtor nao pode fazer mal à própria terra).

Fiquei pensando nisso e como poderia fazer aqui de Buenos Aires. Nao encontrei uma alternativa aos grandes supermercados e aos mercados chineses. Mas me lembrei de algo que me mortificou pela inércia porque quando tive a oportunidade, simplesmente nao fiz nada.

No Rio de Janeiro, há uma ótima feira de produtos organicos, todos cultivados por produtores da cidade. É a única na cidade e acontece todo sábado de manha na Glória. E isso é o legal: além de ser local, feita por pessoas do interior do estado e cidades vizinhas, tem produtos de extrema qualidade, sem agrotóxicos, sem hormonios nem nada.

Mais interessante ainda é que a Associacao da Feira já tentou realizá-la em outros bairros mas, por algum motivo estranhamente secreto e absurdo, a Prefeitura colocu panos quentes e fez esquecer as solicitacoes. Se o consumo de produtos locais é um dos passos para um mundo ecologicamente melhor e viável, por que a prefeitura do Rio nao incentiva essa feira?

Bem, enquanto ninguém faz nada, nao faca como eu: pra quem é do Rio, vá a essa feira. Voce ajuda ao comércio local, ao meio ambiente e ao próprio corpo. Pra quem é de Buenos Aires, uma ajuda a achar algo parecido aqui.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Democracia é crise.


A palavra crise , em sua origem, significa o "juízo", ou a tomada de decisao por um juiz ou médico. Mais ou menos a finalizacao de um processo em um sentido ou outro. A priori, nao carrega o fato de um aspecto positivo ou negativo.

Acontece que jornalista é poeta. E dos piores poetas. O que nao sabem criar neologismos, mas redimensionam a palavra para proveito próprio. E me assusta, tanto no Brasil, quanto na Argentina, a carga catastrófica que se dá a palavra e maneira apocalíptica como é empregada.

Anteontem, Julio Cobos, vice-presidente da Nación, teve "huevos" e votou contra um mal-pensado e triste imposto de taxas sobre a producao agrícola. Seu voto foi o de Minerva após um empate no Senado. Ele, com voz embargada (de medo e de emocao suponho, tamanho o peso da responsa) foi contra as intencoes da presidente Susana Vieira, jogou água na própria fogueira de gestao e se tornou o inimigo número 1 da máfia do D´Elia (o CPK, o Comando Piqueteiro Kirchnerista). Antes da votacao, duas manifestacoes gigantes, no mesmo dia, na mesma hora, a poucos quilometros de distancia. No Centro, com cara de popstar sem jeito e com um incrível tom populista, Nestor tentou inflamar as massas e denunciar um golpe de estado. Em Palermo, vários dirigentes agrários, inclusive o Angeli, agradeciam ao apoio popular e puxavam a sardinha pra própria brasa. Corta.

Miriam Leitao, em seu brogue, após ouvir um especialista, fala que essas manifestacoes democráticas sao crise, sao divisao, que o senado ter empatado os votos é ruim, é racha no Congresso, é crise de governo. Ora, o legal da democracia nao é esse? Eu, do fundo do coracao, nunca vi no Brasil um processo tao lento, tao sério, mas que envolvesse tanta gente, que fizesse o argentino conhecer mais do próprio campo, que mobilizasse tantos aspectos e, na medida possível, de uma forma livre e intensa. A impressao que passa, ao ler seu textos, é que a Argentina vai virar Angola amanha. Corta.

Mas o mau exemplo também é hermano. Embora se de muita trela para muitas discussoes legais de sociólogos, agricultores, políticos e até a velhinha do pao da esquina, está faltando o próximo passo do debate. E qual seria? A questao (e nao crise) do campo permitiu, como em pouquíssimas oportunidades, reavaliar infinitas relacoes históricas e conjecturais do país como o campo como fonte principal da riqueza na cidade, elites agrárias e povo que planta, agrobusiness internacional na Argentina, populismo, peronismo, neo-peronismo, ultraneoperonismo, afro-peronismo, estado como máquina de calar a classe média, democracia, crise x debate, investimento em tecnologia, enfim, relacoes que acompanham esse povo desde a chegada do radical Yrigoyen ao poder no início do século e sua mexida no cenário aristrocrático argentino. O que faltou aos meios de negócios comunicativos daqui foi o que com certeza também faltaria nos brasileiros: ser um espaco democrático de pensamento, nao um gerador imparável de neologismos interessados.

Ainda há atores por trás das cortinas. Infelizmente, quando já estamos quase puxando a corda para revelá-los, nos perderemos no carnaval que está tocando lá fora.


quinta-feira, 17 de julho de 2008

Bizarra é a história


Ontem vi um rapaz engraçado falar na TV. É um bonachão chamado Daniel Riera, jornalista e que está lançando um guia inusitado da cidade: Buenos Aires Bizarro. Como já disse, é como um guia de coisas portenhas inusitadas, desde construções, passando por personagens peculiares e intervenções urbanas feitas pelas pessoas. O formato é uma foto e uma pequena reportagem, contando a história da bizarrice.

É legal porque uma cidade ela é feita dessa história. Por onde se anda uma pessoa, já andou gente que mudou o mundo, já teve sangue derramado, luta, choro, superação. Além disso, a cidade é , fisicamente, onde culmina e se torna aparente as mudanças sociais, intelectuais e internas. Como o tempo passa, às vezes temos que aprender a ler entre os vestígios e o não tão aparente para entendermos em que ovos pisamos.

Bem, no livro você vai encontrar alguns lugares das batalhas pela independência argentina (que não se deram necessariamente no Centro) , um percurso "turístico" pelos prédios que já abrigaram crimes sangrentos, violentos e conhecidos, além de uma mulher que , por conta própria, cuida do túmulo da cantora de cumbia e lenda Gilda, e lê as cartas deixadas pelos fãs para ele e sua família (morta num acidente com ela) e diz se comunicar com a artista. Há coisas bem engraçadas como o monumento nosense ao "dedo gordo", isso mesmo, ao dedo gordo, um museu destinado a homenagear um único barrabrava (torcedor violento de torcida organizada) e uma esquina das ruas Rafael Hernández com a rua...ops, Rafael Hernández (perto do River). Tem até uma referência à Igreja Universal gigante que tem Abasto. Na verdade, e isso eu descobri ontem, o gigante é só fachada (meu deus!), o prédio atrás dela está vazio.

Essa idéia não é nova e parece que foi realizada em outras cidades como Santiago, Bogotá e Lima.
Serve pra incentivar meu próprio passeio turístico bizarro pela cidade. E eu já tenho dois lugares pra ir: a casa onde o Che Guevara passou a adolescência-fase adulta e o trajeto do massacre de operários por parte do governo em 1919 ali pertinho em Villa Crespo, perto do cemitério de Chacaritas, conhecida como a Semana Trágica e que mudou muita coisa no país.

terça-feira, 15 de julho de 2008

O Diabo já sabe.




Se alguém acha que aquele filminho decepcionante dos irmaos Coé Mané , Onde os fracos...., era violento, deve assistir ao angustiante e lindo Antes que o Diabo Saiba que Você está morto. (Parece que está na moda títulos grandes, como uma onda retrô do realismo mágico latino da literatura).

Mas por que o "Antes" é tao bom?

Primeiro, e acho que nao se precisa falar mais nada dele, pelo Phillip Seymour, o gordinho louro que só faz filmes, no mínimo, ótimos (até sua ancestral participacao em Twister se destaca). Depois pelo igualmente grande ator Ethan Hawnk. Terceiro porque é a pólvora acesa de vidas comuns, de uma maneira ordinária, sem muitos alardes ou tramas mirabolantes: o fio da navalha está aí e qualquer um pode apertar o botao e fazer a casa cair. Quarto, porque todos os personagens, todos, sem a mínima excecao, sao maus. Sao muito maus. Nao há sopro de heroísmos que nao sejam bem menores que as atitudes macabras. Nem o suposto bonzinho Ethan escapa. Quinto, porque a Marisa Tomei ressuscita das trevas como atriz e como beleza. Sexto, porque é simples. E a crueldade também é. Comeca, acaba, e continuamos com dor.

sábado, 12 de julho de 2008

Grito de Córdoba é mais vovô (reforma universitária faz 90 anos)

foto roubada daqui e cuja explicação é "Alunos da Universidade de Córdoba festejam a Reforma universitária de 1918"

C
omo o blog gosta de uma data redonda, lá vai mais uma. Nessa zona que vai de junho a setembro é muito importante para lembrar ações universitárias históricas. E elas se deram na Argentina, mais notadamente em Córdoba , em 1918.

Há 90 anos atrás, o presidente de la nación era Hipólito Yrigoyen, do partido radical, que teria um papel importante nisso. Só pra entender , o partido radical (e Hipólito) não era tão radical assim.

Imagine uma Argentina no final do século 19 e início do 20 sem o sufrágio universal, com latifundiários ricos e políticos controlando as eleições e a economia (basicamente agroexportadora). Com o catolicismo e a manha européia civilizante progressista quase nobre e xenófoba dominando o terreiro. Ao mesmo tempo um país que havia conquistado sua liberdade na porrada, com a marra criolla de mártires como San Martin, Belgrano, que culminou em gerações que tinham sangue europeu, mas também aborígene e, o mais importante, tinha aprendido a lutar por um país que viram construir. Junte isso a melhor organização operária-sindicalista da América Latina, que começava a aprender com os movimentos populares na Rússia e França. Agora volte lá pra cima e faça a conta, levando em conta que aqui reinava o acordo comercial clássico com a Inglaterra: te dou o leite, vc me dá a mamadeira (exportação de produtos agrícolas e importação de industrializados). Quem ganhava a mamadeira eram poucos. E a galera toda ficava sem mamar. Não era de se esperar, a porrada começou a cantar.

A partir daí começaram a ver que a exploração e manipulação eleitoreira descarada davam mais prejuízo que lucros. Os pobres já tão começando a invandir minha casa, a favela já tá descendo. Os radicais entraram aí nesse nicho de mercado: pediam leis trabalhistas mais justas e eleições universais e honestas e se tornaram uma opção , oposição politicamente válida para essa nova realidade (várias vezes tomaram províncias e derramaram muito sangue após embate com as tropas governistas). Mas , aí é que é a patota, não as pregavam como revolução social, igualdade de classes ou que possa parecer: o voto e essas leis apenas abrandariam as revoltas, já que o líder do país seria um líder eleito pela maioria, de forma clara e transparente.

Nosso querido Hipólito surgiu aí e se destacou na peça. Em 1916 foi eleito na primeira eleição livre para todo o país (a lei do sufrágio universal se chama lei Saenz Peña, de seu antigo e moderado adversário político, o Roque, que morreu em 1914). Embora sem a intenção de botar pra quebrar, foi visto com muito receio pela elite, gerando tipos de comentários preconceituosos
e arrogantes típicos da família, tradição e propriedade. De fato, sua entrada trouxe muitas coisas boas pra galera, como a luta pelas leis trabalhalhistas, um pouco mais de divisão da mamadeira, a ida da classe média e dos imigrantes ao cenário político e uma política internacional que mandou os Eua se ferrar. Por outro lado, usou e abusou da força contra os próprios trabalhadores que jurou defender, em massacres contra manifestações e greves e sua conexão comprovada com fascistas (que, no futuro, iriam dar dor de cabeça). De qualquer maneira, a elite, que ainda dominava, tinha um presidente que gostava um pouco do cheiro dos pobres e de certas idéias modernas demais.

O cenário era mais ou menos esse quando um grupo de estudantes da Universidade de Cordoba mudou a história das universidades no país e foi grande inspiração para mudanças em outros. Como diz o nosso querido e incansável historiador Felipe Pigna em seu livro "Los mitos de la historia argentina", eram os filhos da mamadeira que, em sua maioria, podiam entrar na universidade. Isso foi até a chegada do radicalismo ao poder, quando a classe média teve mais espaço e respaldo para buscar a formação para ascender socialmente. Mas antes de democratizar o pandeiro, tinham uma estrutura bem fortificada pra raspar. Como diria Pigna, "o sistema universitário vigente era obsoleto e reacionário. Estava décadas atrasado. Na universidade de Cordoba, a influência clerical era imensa e os calouros, independente do credo, tinham que jurar sobre os santos católicos. Um exemplo do atraso do programa de filosofia: aprendiam sobre as regras de como mandar em um servo".

A bomba estorou no final de 1917, quando o reitor, sem dizer lé com cré, mandou acabar com o internato no Hospital das Clínicas. Os estudantes de medicina, direito e engenharia se juntaram, se mobilizaram, reclamaram, pediram coisas, não foram atendidos e em Março declararam greve geral dos universitários. Em abril, a universidade foi fechada. E aí o comitê estudantil foi ficando mais sério e começou a reclamar com o ministério da educação, propondo mudanças curriculares, demissão do reitor, troca de professores, modernização de estrutura e autonomia. Essas idéias foram se espalhando pelo país, até que chegaram nos estudantes de Buenos Aires. Comitês e federações universitárias foram criadas e começavam a fazer bastante barulho, para horror da elite social reacionária e católica.

A coisa ficou tão forte que a direção da greve de Córdoba teve uma reunião com o nosso querido Hipólito que, por sua vez, deu uma carta branca, azul, rosa e cheia de purpurinas aos estudantes dizendo que "seu governo pertencia ao espírito dos novos tempos e que se identificava com as justas aspirações estudantis". Depois disso, mandou um interventor federal ver qual era do caô lá em Cordoba. O cara viu e voltou falando as piores coisas pro presidente. Em 6 de Maio, Yrigoyen dá um decreto pedindo novas eleições lá. Muitos sacerdotes-professores semi-deuses consideraram isso um afronte e pediram demissão. E pela primeira vez na história votaram pelos cargos docentes democraticamente. Deu na cabeça a centena e o milhar: a maioria dos professores eleitos eram do agrado dos comitês estudantis. Só que ainda faltava o reitor. Os universitários apresentaram o seu candidato mas, após uma manobra dos reacionários católicos, quem ganhou mesmo foi um perpetuador da situação. Acontece que os estudantes tinham sangue nos olhos e botaram novamente pra quebrar. Quebraram a universidade, a invadiram e declararam a "greve geral, a revolução universitária e a universidade livre". Mais que isso: conseguiram o apoio dos estudantes em Buenos Aires, assim como do movimento dos trabalhadores, elite intelectual e algumas organizações políticas da capital. No final de Junho, escreveram o Manifesto Liminar, que foi dirigida aos "homens livres da América do Sul" e era um clamor apaixonado que evocava a Bolívar, a Zapata e a Lênin e dizia que a revolução das consciências estava sendo feita, assim como o rompimento com uma sociedade monárquica, monástica e tirânica. Em agosto e setembro, mais manifestações, agora com a adesão dos movimentos sindicais. O comitê, além disso, tomou a universidade, assumiu interinamente sua direção e declarou que ela estava fechada indefinidamente. A elite reacionária cordobesa, que ainda era imensamente poderosa, reagiu com a porrada policial. A bagunça tava armada. O Hipólito , então, mandou outro interventor para resolver a mamona. Dessa vez foi o próprio Ministro, José Salinas, que foi , reorganizou as coisas, aceitou a demissão do reitor e do resto dos professores anti-modernidade, reabriu o Hospital das Clínicas, chamou novas eleições, botou reformistas na cabeça da universidade e, dessa vez sem mutreta, viu um reitor "estudantil" assumir o trono. A coisa se espalhou para os países vizinhos (1919 no Perú, 1920 no Chile, 1922 na Colombia, 1923 em Cuba, 1928 no Paraguai e em todo o continente nos anos seguintes).

Pigna conclui: "o movimento universitário reformista renovou os programas de estudo, possibilitou a abertura da universidade a um número maior de estudantes, promoveu a participação dos mesmos na direção das universidades e impulsionou uma aproximação das faculdades aos problemas do país. Implantou a co-direção da universidade pelos graduados, docentes e alunos; a liberdade de cátedra e a autonomia".

O historiador chileno Gustavo González diz que o Grito de Córdoba, como foi conhecida essa história, pode ser considerado o ato de fundação dos manifestos estudantis latinoamericanos contra sistemas autoritários ou modelos obsoletos. Pode-se ir mais além e dizer que o "grito" foi pioneiro na reforma universitária no mundo todo, já que a Europa (lembrando que estava no fim da devastadora primeira guerra) demorou , em alguns países, muito tempo para sair de um regime universitário medieval. No Maio de 68, de fato, vários estudantes franceses (e até um editorial do Le Monde) disseram que o que eles estavam fazendo já tinha sido iniciado 50 anos antes na Argentina. Pouca merda é bobagem.

Enfim, fica um post gigante , mas acho que legal, sobre uma luta válida, suada e cujos resultados transcenderam os tempos e ainda inspiram.

As universidades do Brasil precisam dar seu grito também. É só os estudantes pararem de fazer turismo barato em encontros e fumarem maconha nos centros acadêmicos. Já seria um bom meio passo.

Voz maneira sobre o grito de cordoba

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Dinamite entrando na passarela!


Daniel Passarella, o flamante capitão da Argentina campeã de 78, senhor de uma porrada homérica em nosso central Edinho, ídolo do ríver, polêmico técnico das mesmas gallinas , da seleção argentina e até do Curíntia, será o presidente do time de Nuñez em 2009.

Pelo menos é assim que ele quer. Para isso, o diminuto porradeiro-habilidoso, já está fazendo por onde. Ganhou uma nomeção como embaixador pela paz através do esporte, diz pra todo mundo que está recusando propostas para ser técnico de outros times, diz que vai trazer o Ramon Diaz (outro ídolo gallina ) pra ser técnico do time e que isso e que aquilo outro.

Alguns torcedores, como o tempo é estranheza, esqueceram completamente do que ele já jogou por sua equipe e país depois das declarações que deu há algum tempo dizendo que era boca quando pequeno e que queria matar as gallinas. Além disso, é acusado de mercenário por sair do clube por dinheiro e de ficar rico às custas do clube. Outros dizem que é ótimo, que pelo menos vai tirar de lá o corrupto José Maria Aguillar, que ele é um torcedor do river incontestável, que pagou do bolso dele o salário de jogadores na década de 90 (quando o clube quase foi à falência) e que enterrou seu filho (morto num acidente de carro trágico) com bandeira do river posta sobre o caixão.

É a controvérsia o acompanhando desde sempre. Nessa candidatura, não poderia ser diferente.

Falo tudo isso porque estava faltando meu post vascaíno. Demorado, mas sincero, da alegria de ver Roberto Dinamite , outro ex-jogador e ídolo de um grande time, na cabeça da nação vascaína. Robertão vem mais como paladino da glória do que como traidor polêmico, mas seu trabalho será igualmente gigantesco.

Aa felicidade, no entanto, não é porque o Roberto Cuoco quando jovem é maravilhoso, o deus da honestidade e da eficiência administrativa. É pelo simples fato de ter tirado o sapo-bolha da Colina. E por trazer ares de esperança a quem só respirava cansaço. É por ele ter acabado com a pantuscada de aposentar a camisa 11 (se for aposentar, aposenta a do Chico, do Expresso da Vitória) e pela viabilidade da volta de jogadores maravilhosos ao clube, além da volta quase natural de vascaínos verdadeiros às dependências do estádio mais bonito do Brasil. É pelos meus quinze minutos de alegria, futuro e ilusão. Afinal, o futebol não é sobre isso?

Que os dois presidentes se encontrem numa final de Libertadores. E que o Vasco seja tricampeão com um gol de falta do Pernambuquinho. De novo, e com a mesma emoção.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Países de papel, barquinhos de metal.


Faço humilde coro ao absurdo da presença americana nas costas brasileiras. Estou falando da famigerada “4. frota da Intervenção Americana”, criada em 1943 para afundar os submarinos nazistas e desativada em 1950 com o fim da Guerra.

Agora o governo americano a reativou sem nenhuma explicação plausível e respeito ao território alheio. Esse fato se soma a outros, que vão comprovando, pouco a pouco, os movimentos realizados por esse país para uma pressão militar desconhecida desde meados dos anos 80, com o fim das ditaduras financiadas por eles mesmo.

Lula reclamou, Chávez reclamou. E, é verdade, a imprensa nacional “chupó un huevo” (cagou e andou). A vergonha jornalística é brasileira, mas também encontra ecos em seus hermanos argentinos. Silêncio total e alguns pedregulhos éticos.

Ontem, por exemplo, passou no suposto all news Canal 5 daqui uma espécie de Globo Repórter emotivo e tendencioso sobre a nova Nova Iorque sul-americana: Medelín. Isso mesmo. De acordo com o programa, a cidade, antes dominada pelas “guerrilhas” (essa foi a palavra usada) narcotraficantes, agora é um paraíso de paz e bem-estar. A tolerância zero de Uribe deu resultado e, através de depoimentos sem nenhuma base estatística ou contextualizada, mostrou um panorama quase pollyânico da cidade. Sim, obras públicas como o teleférico e a biblioteca doada pelo rei da Espanha ajudaram reduzir a criminalidade e a cidade melhorou um bom por cento. Não quero negar os fatos e as boas ações colombianas. O que me incomoda é a completa falta de crítica de um programa jornalístico importante, com quase duas horas de duração. A “reportagem” foi a apresentação de números do governo e sonoras de crianças que “largaram o tráfico” (essa idéia maniqueísta e jesuítica de recuperação), a classe média que se esconde em seus condomínios e, adivinha, o depoimento de gente do próprio governo. E isso logo após a "umseteúnica" liberação da Ingrid (acabei de saber também que os americanos resgatados já firmaram contrato com Oliver Stone para fazer um filme sobre o drama das selvas colombianas).

Estou parecendo um daqueles comunistas flamejantes e retardados que falam que tudo é culpa do outro. Mas, nao dá pra negar, é tudo espetacular, perigoso e pró-imperialismo demais. Assim como o são:

- Liberação da Ingrid de forma estranha, após a presença de McCain.
- Plano patriota, que permite a presença da Cia e tropas americanas na parte colombiana da Selva Amazônica.
- Patrocínio americano dos planos de conflito na Bolívia, que é país central e simbólico da liberdade da América Latina.
- Pressão na ONU para que Lula abaixe as calcas e entregue a Amazônia.
- Massiva demonizacao midiática de Chávez (críticas à parte, valha-me Deus a parcialidade, né?)
- Pouca atenção midiática ao conflito que ainda persiste entre Colômbia e Equador (o que possibilitaria uma maior presença americana no continente).
- Histórica influencia da inteligência americana nos rumos políticos do continente (ou seja, o curriculum é bom).
- Recursos naturais abundantes no continente em época de crise e desencontro financeiro americano.

E, para completar, a presença assumida e criminosa de mísseis apontados para a nossa cabeça. Em um mundo pós-moderno, com a fragmentação e “informacionalizacao” do indíviduo e suas relações formando uma nova forma de enxergar a realidade, é surreal ver as atitudes quase McCarthistas . Quando se trata de mexer no queijo, toda a teoria de democracia neoliberal, individual e quase levítica de uma sociedade internética, dionisíaca e espiritual, perde espaço para o mais antigo de nossos instintos: o uso da força.


quinta-feira, 3 de julho de 2008

É em 2012, os maias disseram!


A liberação de Ingrid Bettancourt não é apenas uma suposta vitória contra uma suposta ditadura terrorista da Farc. Tem alguns desdobramentos políticos, com personagens se movendo lentamente em busca de ações importantes no futuro. Personagens que botam o dedo nessa relação tão complexa entre a América Latina e o “combo” EUA-União Européia.

Primeiro se deve atentar para as idéias que envolvem as Forças Revolucionárias Colombianas. Para o “combo”, ela é terrorista. Para Brasil e Argentina, por exemplo, ainda têm sua veia política marxista-leninista, embora sejam repreendidas publicamente por suas ações. Para a mídia brasileira, são simplesmente traficantes de drogas. Para alguns intelectuais, é um gigante anacrônico ue ainda tenta seguir o plano de revolução comunista agrária, mais parecida com os términos maoístas que os propriamente soviéticos. Muito se debate sobre o objetivo da Farc: conquistar o poder com o povo ou conquistar o poder usando o povo.

Acontece que alguns fatos são curiosos nessa patota. Um, que os EUA só reconhecem poderes terroristas em áreas estratégicas de exploração energética. No caso da Colômbia, essa questão entra em dois caminhos: o primeiro é , de alguma maneira, achar uma justificativa anti-democrática para entrar na Venezuela, a sétima maior reserva de petróleo do mundo (maior, fora do Oriente Médio e, junto com o Canadá, a maior reserva de um tipo de petróleo mais difícil de ser retirado e tratado mas que, no futuro, pode ser necessário), e tirar o Chávez e colocar algum marionete.
É a tática que não muda desde a “luta contra comunistas” e o famigerado Plano Aliança para o Progresso, nas décadas de 60 e 70 que espalharam “ditaduras democráticas” por todo o continente e aumentou a dependência financeira dos países sul-americanos com relação ao capital estrangeiro.
A Colômbia tem um marionete ideal, é fronteiriço e quer porque quer uma pendenga com a Venezuela. O segundo atalho é a provável desculpa na luta contra as Farcs para a implementação do “Plano Patriota”, que busca defender fronteiras e matar todo mundo do movimento guerrilheiro. Acontece que conta com verba, apoio financeiro, de inteligência e militar dos EUA. Acontece que este último precisa entrar num vácuo e numa incógnita energética gigante que se chama Amazônia. É praxe de um líder mundial: não tomar bola nas costas com o que o sustenta. Isso se junta com as últimas pressões nos Congressos da ONU em cima do Lula. O “combo” quer a “legalização” do verde brasileiro. A Cia já deve estar fazendo curso de verão com os mosquitos. E a teoria da conspiração já não é tão conspiratória: é imensamente possível.

Tudo isso é para falar que o McCain foi lá fazer campanha, deu aquela pressão no Uribe, praticamente garantiu a permanência dos bonecos uribianos ao lhe colocarem como paladino da democracia (e ganhar o apoio eleitoreiro fundamental da Ingrid) e deu um aviso inegável ao Chávezs e aos Lulas: nós temos a p...maior que a de vocês. E agora temos uma p...que o mundo acha linda. Jogaram com a emoção para mascararem as tramas políticas.


E ainda tem um ponto muito importante, que ainda não foi esquecido, que é a briga com o Rafael Correa. As farc, desculpa central dessa briga, agora estao nas mãos (politicamente) do “combo”.


No dia em que ela estourar, o Chavez apoiará o Rafael. A pergunta é: os EUA terão a senha para entrar na Venezuela? E o que o Lula e a Cristina vão falar? A Cristina mantém uma relação muito amistosa com o Hugão (mesmo com a nacionalização de empresas argentinas lá). O Lula terá uma potencia apavorada e sedenta por meios alternativos de energia tocando na porta de casa. E pode acreditar que os EUA vão tentar meter o bedelho nas próximas eleições brasileiras (quem sabe pensando em um perfil mais família, tradição e propriedade de um Neves) para tirar a rocha tupiniquim do sapato, se o Lula realmente se mostrar como pedra na hora do "vamover".

Meio filme de espião e bastidores políticos inverossímeis, não é?
As ditaduras lationamericanas, com patrocínio e sangue dos norte-americanos, também foram feitas de histórias para boi e povos dormirem. E despertamos um pouco tarde.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

E agora, seu dotô?


Pode parecer (e até em certa medida é) cricri, mas me incomoda o nome que a imprensa deu para a nova lei que vai botar pra quebrar em quem for pego dirigindo alcoolizado.

O termo "Lei Seca" me faz lembrar três coisas que não condizem com a importância e gravidade com que deve ser tratada essa lei: Al Capone, eleições e fantasia das classes.

Al Capone porque me remete obviamente à década de 10, 20, quando a venda e consumo eram completamente proibidas nos EUA. Quem entrou no vácuo e no desejo da elite intelecutal (formada pelas classes média-alta/alta) foi o tiozinho aí citado, que enriqueceu como um bom mafioso enriquece: vendendo as ilegalidades.

Eleições porque não se pode beber nas eleições brasileiras.

Fantasia das classes porque, no dia das eleições, os bares do Leblon e das favelas ficam lotados.

O que essas três coisas têm em comum é a manchinha que aparece na repetição incessante do termo "lei seca". Me parece quase uma provocação, uma discordância velada, um "pimenta no dos outros é refresco, mas no seu é desespero". Me parece uma zombaria discordante, que dá um nome carregado de idéias de proibições, desprazer, infortúnio ao termo.

Os jornais são formados pela quase mesma elite intelectual (conceitualmente falando) que formava os universitários e pensadores americanos que deram as mãos aos mafiosos em troca de uma cervejinha. O povo brasileiro é formado da ilegalidade, é patrimônio histórico e cultural. O Leblon, por sua vez, é formado de hipocrisia e uma incrível e mirabolante capacidade de adequar aos seus interesses o que, sem meias palavras, está errado.

Então, faço algumas perguntas, para as quais nem Darcys nem Freires terão as respostas, suponho:

- E o motorista do ônibus Madureira-Saens Peña que, na sexta sagrada, na altura da estação de trem de Quintino, compra aquela geladinha com o ambulante, o Seu Geraldo?

- E a cervejinha dos policiais que vão extorquir os bares da cidade e, posteriormente, vão extorquir com os bafômetros?

- E o que será dessa lei no Carvaval, minha gente? A terra de Marlboro vira terra da Skol.

- E o Zeca Pagodinho?

- E a volta da praia no lindo trajeto Arpoador-Barra. Sem uma gelada não tem quem aguente.

- E o sambinha na Lapa cheio dos revolucionários da Puc e dos comunistas de tardes vazias nos bares das universidades?

- E a produção de amendoim?

É melhor o governo parar com essa palhaçadinha de lei. Ainda mais quando se trata da intocável "cervejinha", objeto totêmico quase inerente ao ser brasileiro.