Hoje o mundo é contado por quem não o vive. Existe uma diferença abissal entre o que se vê ao vivo e o que se conta. Mais ainda entre o que se "sofre" (no sentido de objeto viral de uma ação) e o que se diz. Até que ponto a linguagem jornalística, como a conhecemos, é eficaz em relatar uma história? Até porque relata para mostrar. E o que mostra, não existe porque é passado, frisado, mediado, virtual. Se diz sobre o que não há, na concepção ocidental e ingênua de ilusão, não ilude? E quem apreende sistematicamente um mundo ilusório , não acaba criando e perpetuando uma supra-realidade, atualizada diariamente, em descompasso cada vez maior com o que existe? Os conceitos, pouco a pouco, não vão desgarrando das almas, de pessoa para pessoa? E o que, supostamente seria o mundo elogioso da informações democratizadas e antes impossíves, não se torna uma gotejante descomunicação? Pior, uma descomunicação que não se reconhece e gradativamente destrói os mecanismos e ferramentas que possibilitaria reconhecê-la? Não viramos cegos a enxergar o que somos no outro e no que pensamos saber, através das histórias que vemos, sobre o outro? Sem ver o que existe, falamos no que existe, nos guiamos no que existe?
Não seria melhor o fim da comunicação escrita? Para que reencontremos nossos caminhos e a verdadeira comunicação, não seria melhor que nos encontrássemos sem mediações? Mesmo que isso significasse um número menor de experiências, ou melhor, conhecimento sobre experiências relatadas? O jornalismo não deveria ser feito por todos? O jornalismo não deveria se transformar em uma arte calada?
quarta-feira, 29 de agosto de 2007
Fanta Nazi-Laranja
A origem , no passado, de um produto pode definir etica e moralmente quem o produz no presente ? Pau que nasce torto se endireita? Consumir uma coisa que tenha nascido em um período excepcional e de forma desumana é contribuir para que essa "forma", mesmo terminada, ainda persista de algum modo? É defender alguma bandeira? Ou o consumo é apartidário e defende apenas o prazer pessoal, independente do mal social que causa ou causou o produto consumido?
Digo isto para falar de um refrigerante, geralmente lembrado por crianças: a Fanta Laranja. Docinha, borbulhante, com gosto de chiclete com suco e de coloração, obviamente, alaranjada, ela ilustra perfeitamente a natureza macabra das teorias da conspiração. Sua aparência ingênua esconde um passado mórbido.
Segunda Guerra Mundial. Eua entram na guerra. A Coca-Cola , americana, não poderia mais comercializar na Alemanha nazista. Não por querer, mas por ser contraditório demais declarar guerra a um país e manter as relações econômicas, embora uma corporação não tenha tantos vínculos atrelados a estados e nações , com o país que se guerrea (claro que esse caráter multinacional e flutuante não existia na época, até porque foi uma independência cravada gradualmente através dos anos).
Resumo da ópera, a Coca perdia um bom mercado. Lembrando que a Alemanha se recuperava de uma bela crise econômica-bélica, crescia a uma taxa média anual de 9,5%, a uma taxa de crescimento da indústria de 17,2%, crescimento demográfico , consumo público com um aumento de 18% com relação a década anterior, além de ter uma Áustria anexada no pescoço.
Solução? Pensar eticamente? Não. Criar um produto que não se associasse à Coca e ainda tivesse a ver com a cultura do mercado consumidor desejado, no caso, o alemão. A laranja dava nas montanhas, o nome vinha da palavra "fantasia", "imaginação", vendia-se como um produto alemão, mas com auxílio financeiro e logístico da coca americana. E assim ela se criou, se espraiou para centenas de países, tem o Brasil como maior consumidor, e pulverizou seu passado assassino.
Mais do que um produto, a Fanta ajudou a patrocinar as ações nazistas (e americanas, contraditoriamente), ou seja, matou gente. Consumi-la é uma ode a esse passado? Consumi-la é concordar com os ditames nazistas? Um produto, além de não ter raízes físicas e emocionais, não tem história? Comprá-la é dar dinheiro pra quem não se importa com o que há de humano no mundo, só interessando o lucro? Se não agora, em um futuro possível?
Sei lá.
Digo isto para falar de um refrigerante, geralmente lembrado por crianças: a Fanta Laranja. Docinha, borbulhante, com gosto de chiclete com suco e de coloração, obviamente, alaranjada, ela ilustra perfeitamente a natureza macabra das teorias da conspiração. Sua aparência ingênua esconde um passado mórbido.
Segunda Guerra Mundial. Eua entram na guerra. A Coca-Cola , americana, não poderia mais comercializar na Alemanha nazista. Não por querer, mas por ser contraditório demais declarar guerra a um país e manter as relações econômicas, embora uma corporação não tenha tantos vínculos atrelados a estados e nações , com o país que se guerrea (claro que esse caráter multinacional e flutuante não existia na época, até porque foi uma independência cravada gradualmente através dos anos).
Resumo da ópera, a Coca perdia um bom mercado. Lembrando que a Alemanha se recuperava de uma bela crise econômica-bélica, crescia a uma taxa média anual de 9,5%, a uma taxa de crescimento da indústria de 17,2%, crescimento demográfico , consumo público com um aumento de 18% com relação a década anterior, além de ter uma Áustria anexada no pescoço.
Solução? Pensar eticamente? Não. Criar um produto que não se associasse à Coca e ainda tivesse a ver com a cultura do mercado consumidor desejado, no caso, o alemão. A laranja dava nas montanhas, o nome vinha da palavra "fantasia", "imaginação", vendia-se como um produto alemão, mas com auxílio financeiro e logístico da coca americana. E assim ela se criou, se espraiou para centenas de países, tem o Brasil como maior consumidor, e pulverizou seu passado assassino.
Mais do que um produto, a Fanta ajudou a patrocinar as ações nazistas (e americanas, contraditoriamente), ou seja, matou gente. Consumi-la é uma ode a esse passado? Consumi-la é concordar com os ditames nazistas? Um produto, além de não ter raízes físicas e emocionais, não tem história? Comprá-la é dar dinheiro pra quem não se importa com o que há de humano no mundo, só interessando o lucro? Se não agora, em um futuro possível?
Sei lá.
terça-feira, 28 de agosto de 2007
Biocombustíveis e o Brasil
SOBRE PERGUNTA BIOCOMBUSTÍVEIS E RELAÇÃO COM MEIO AMBIENTE
* Paulo Renato Porto (geógrafo)
"A preocupação em relação ao uso de combustíveis fósseis não se restringe só à questão do carbono, mas também diz respeito ao uso indiscriminado de fontes de energia não-renováveis. De qualquer forma a questão do "sequestro de carbono" pelas áreas florestadas está em alta no momento, sendo, inclusive uma opção muito rentável para grandes empresas, o que é interessante também para quem quer trabalhar com isso. É óbvio que é preferível uma grande área de floresta do que um canavial gigantesco, que desgastaria o solo, prejudicaria a biodiversidade, além de estar sujeito a diversas pragas, cujo controle se daria através de insumos químicos altamente prejudiciais ao solo e ao lençol freático.
Hoje em dia , sabe-se que a floresta pode oferecer serviços ambientais valiosíssimos (inclusive monetariamente) como: extração de recursos alimentícios, farmacêuticos, estéticos, produção de lenha e madeira, climatização, otimização dos recursos hídricos, utilização para fins turísticos e prática de diversos esportes, além de ser um banco genético muito importante.
Enfim, as florestas estão entre as principais riquezas de um país, o que coloca o Brasil numa posição preponderante, oferecendo oportunidade para ações pioneiras em nível mundial. O problema é explicar para os nossos governantes, cheios de ganância, ignorância e inépcia. Enquanto isso, a Amazônia vai sendo derrubada a passos largos, a soja já invadiu o Cerrado e da Mata Atlântica original restam 7%. O próximo passo - para o qual o Lula acena com veemência, para não dizer abana o rabinho - é destruir a Caatinga para plantar cana e vender álcool para os Estados Unidos.
O assunto é de uma ordem de grandeza que vai ficar difícil comprimir em algumas linhas. A questão energética é uma problemática mundial que toca em diversos pontos delicados e muito variados tais como: desenvolvimento nacional, soberania nacional, padrões de consumo, utilização dos recursos naturais, enfim, é uma questão que envolve inclusive guerras, como todos sabemos (vide Oriente Médio), ceifando muitas vidas humanas, vegetais e animais.
A princípio, todos nós seres humanos dependemos totalmente dos recursos naturais, da menor à maior escala. A questão é vital: como utilizar esses recursos, a fim de garantir a sobrevivência da espécie? O que é necessário para a sobrevivência da espécie? Na verdade, falta-nos a percepção de que a vida humana é possível graças a um sistema infinito, altamente complexo e delicado, uma conjunção de fatores muito difíceis de estimar que forma a "Gaia", o organismo singular que chamamos de Terra.
Na minha opinião, o ser humano, historicamente, é ainda um bebê que quer mamar no peito a vida toda. Há um cálculo que diz que se a existência da Terra tivesse um ano, o ser humano apareceria no dia 31 de Dezembro, às 23:45 hs.
Voltando à questão enérgética: não há um consenso sobre a "melhor" opção energética para o nosso país. Pelo contrário, há discussões intensas sobre esse assunto, envolvendo órgãos e interesses múltiplos. Sabemos, por exemplo, que o compromisso do Lula é com o desenvolvimento econômico, mesmo que esse seja muitas vezes escamoteado atrás do conceito tão alardeado quanto indefinido e subjetivo de "desenvolvimento sustentável". Por isso, quando Marina Silva quer barrar a construção de uma hidrelétrica, ela entra em conflito com o presidente, que vê isso como uma forma de barrar o "desenvolvimento". Na verdade, isso é o que mais acontece: desenvolvimento versus meio ambiente.
Uma questão é factual: precisamos de energia elétrica. Outra é conceitual: quanto precisamos?
Na minha opinião, a questão deve ser resolvida de forma multilateral: o Brasil é um país extenso e deve aproveitar as potencialidades energéticas de cada região. O Nordeste, por exemplo, é rico em insolação e ventos. Já temos aí duas opções energéticas interessantes. Nosso litoral é bastante extenso e já está em desenvolvimento a utilização da energia das marés. Além disso, as grandes hidrelétricas, que inundam áreas extensas, cobrindo florestas e criando problemas sociais (como remoçaõ de comunidades inteiras) já não são necessárias. Os chamados "Grandes Projetos" do Brasil, na verdade têm algo de megalomania e, principalmente, interesse financeiro de grandes empresários, em estrito e escuso vínculo com o Estado. Hoje em dia, há projetos de usinas de pequeno porte, que abastecem localidades específicas e geram emprego e renda para as mesmas. A energia nuclear é bastante interessante para países pequenos (como a Holanda, por exemplo, que tem 70% de sua energia baseada nessa fonte), o que não é o caso do Brasil, pois essa opção envolve riscos serísimos.
Já a questão dos biocombustíveis é interessantíssima. O problema é quando ela toma proporções de "milagre" ou "salvação nacional", voltando-se não para a solução energética, mas sim para a solução econômica, baseada na exportação de nossos recursos naturais, coisa que acontece desde Cabral. Essa posição subserviente é que me incomoda, pois mantém o status quo de dependência e exclusão social. O que os nordestinos ganhariam das enormas divisas geradas pelo àlcool produzido em seu território de origem? Com certeza a exploração do trabalho (quando não o trabalho escravo) e a destruição de seu ambiente natural para a produçaõ extensiva (praticamente uma plantation).
Não se enganem: a questão é complexa e exige uma reflexão não só em nível nacional, mas também em nível pessoal: o quanto custamos para o planeta? O quanto custa para os recursos naturais e humanos nosso desejo de trocar de carro todo ano, de celular assim que aparece um modelo mais novo e bonitinho, de levar meia hora no banho por puro capricho e conforto pessoal, de usar um tênis que escraviza milhares de taiwaneses?
Enfim, é muito fácil ficar no discurso bonito e criticar as ações do Governo, essa entidade quase extra-terrestre.
Refletir sobre nossos hábitos, desejos, nossa forma de viver e se relacionar com o mundo, ah, quero ver quem tem coragem.
O desafio está lançado. "
terça-feira, 7 de agosto de 2007
CARTA ÀS COPAS DAS ÁRVORES
Por Bruno Moreno
"Fiquei com vergonha de mim. De mim ao mundo. Acho que desde pequeno sinto essa vergonha. Acreditava que tinha um olhar baixo pra não encarar as copas das árvores. Não por ser menor, mas por sabermos, no momento em que encarava seus troncos eternos, que, mesmo magro e fraco, miúdo de tempo ainda, seria eu um homem invejoso e bêbado, mandado por homens invejosos e bêbados, a roubar invejosa e bebadamente suas copas do sol. Então inventei de ser biólogo acreditando se tratar de virar um mago que lidava com sapos. Acreditava eu que os sapos regulavam a temperatura, os ventos e as direções das águas do mundo. E eu, como mago de sapos, iria devolver a naturalidade das coisas às árvores e às coisas. Mas fui dar de ver demais o homem e me esqueci no que há de homem no mundo. Desapercebi do tempo, do tempo que passava e aquele que fica pendurado na nossa cabeça, dando presentidade aos anos e aos futuros. Fui me apaixonar de mim com relação aos outros e me apaixonar de imagens de outras meninas. Então queria ser mais homem aos homens por paixão, por não ter algo mais pra chamar e por ouvir de minha avó que era coisa ruim de sentir. Digo isso porque, no momento que larguei os sapos e as copas das árvores até a hora em que me perdi no homem, fui menos feliz. Não existe mago de gente, como existiu o de sapos, porque os homens não têm relação com o mundo. Pelo menos dizem e agem como se não tivessem. Falam muito e fazem muito por si mesmos. É por isso que tenho vergonha de mim. De mim ao mundo. Mais agora que não sou mais menino e caminho a passos rápidos, desde quando acordo até quando acordo, para me tornar invejoso e bêbado. Inveja porque percebi que não existe mago de homens não porque a gente é bem melhor que o mundo. É porque não somos bem melhores que o mundo. E, da gente, ele não se regula pra nada. Ao contrário dos sapos, que precisam de um mago, porque sapos controlam o tempo e as coisas. E bêbado porque somos sós e, por não fazermos parte do mundo, tentamos não fazer parte de nós mesmos a todo custo. É uma solidão de tristeza e silêncio frio. Não é como as copas das árvores, que se preenchem de sol e pássaros, de chuva e vento, de dias e noites, de liberdade, mesmo presas a um tronco duro e marrom, como o que encarava quando criança e tinha vergonha de encará-lo também porque um dia seria um homem invejoso e bêbado a perguntar onde estava a graça em não ser homem e não entender a gratidão de um tronco duro e marrom que abastece e sustenta as copas de uma árvore eterna, de tronco eterno. Fiquei com vergonha de mim ao mundo e desejei não crescer mais para não ser homem invejoso e bêbado. Desde quando era criança e tinha vergonha das copas das árvores.
Que um dia eu saiba acreditar que posso ser um mago de sapos. Que eu possa devolver a naturalidade das coisas às árvores e às coisas. Mesmo com os olhos baixos de eternidade, que um dia vire um mago de gente. E possa encarar os homens do mundo. Com eternidade, presentidade e mundo."
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