Por Bruno Moreno
"Fiquei com vergonha de mim. De mim ao mundo. Acho que desde pequeno sinto essa vergonha. Acreditava que tinha um olhar baixo pra não encarar as copas das árvores. Não por ser menor, mas por sabermos, no momento em que encarava seus troncos eternos, que, mesmo magro e fraco, miúdo de tempo ainda, seria eu um homem invejoso e bêbado, mandado por homens invejosos e bêbados, a roubar invejosa e bebadamente suas copas do sol. Então inventei de ser biólogo acreditando se tratar de virar um mago que lidava com sapos. Acreditava eu que os sapos regulavam a temperatura, os ventos e as direções das águas do mundo. E eu, como mago de sapos, iria devolver a naturalidade das coisas às árvores e às coisas. Mas fui dar de ver demais o homem e me esqueci no que há de homem no mundo. Desapercebi do tempo, do tempo que passava e aquele que fica pendurado na nossa cabeça, dando presentidade aos anos e aos futuros. Fui me apaixonar de mim com relação aos outros e me apaixonar de imagens de outras meninas. Então queria ser mais homem aos homens por paixão, por não ter algo mais pra chamar e por ouvir de minha avó que era coisa ruim de sentir. Digo isso porque, no momento que larguei os sapos e as copas das árvores até a hora em que me perdi no homem, fui menos feliz. Não existe mago de gente, como existiu o de sapos, porque os homens não têm relação com o mundo. Pelo menos dizem e agem como se não tivessem. Falam muito e fazem muito por si mesmos. É por isso que tenho vergonha de mim. De mim ao mundo. Mais agora que não sou mais menino e caminho a passos rápidos, desde quando acordo até quando acordo, para me tornar invejoso e bêbado. Inveja porque percebi que não existe mago de homens não porque a gente é bem melhor que o mundo. É porque não somos bem melhores que o mundo. E, da gente, ele não se regula pra nada. Ao contrário dos sapos, que precisam de um mago, porque sapos controlam o tempo e as coisas. E bêbado porque somos sós e, por não fazermos parte do mundo, tentamos não fazer parte de nós mesmos a todo custo. É uma solidão de tristeza e silêncio frio. Não é como as copas das árvores, que se preenchem de sol e pássaros, de chuva e vento, de dias e noites, de liberdade, mesmo presas a um tronco duro e marrom, como o que encarava quando criança e tinha vergonha de encará-lo também porque um dia seria um homem invejoso e bêbado a perguntar onde estava a graça em não ser homem e não entender a gratidão de um tronco duro e marrom que abastece e sustenta as copas de uma árvore eterna, de tronco eterno. Fiquei com vergonha de mim ao mundo e desejei não crescer mais para não ser homem invejoso e bêbado. Desde quando era criança e tinha vergonha das copas das árvores.
Que um dia eu saiba acreditar que posso ser um mago de sapos. Que eu possa devolver a naturalidade das coisas às árvores e às coisas. Mesmo com os olhos baixos de eternidade, que um dia vire um mago de gente. E possa encarar os homens do mundo. Com eternidade, presentidade e mundo."
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