quinta-feira, 29 de maio de 2008

A fortaleza da língua


Pode parecer pouco, pequeno, desinteressante nesses tempos em que a pluralidade de dialetos me parecem se enganar na unicidade da língua. Fato é que um instituto do Equador conseguiu resgatar as línguas originárias indígenas. E ainda as estuda, debate, ensina e luta contra o esquecimento. Essa iniciativa é uma das poucas na América Latina, incluindo o Brasil, onde a falta de conhecimento de idiomas dos povos originários , com o passar do tempo, resultará na falta de conhecimento histórico dos mesmos povos. E, por consequencia, na falta de conhecimento de quem somos.

O desafio está sendo encarado pelo DINEIB, que tem como lema algo interessante: pelo desenvolvimento das línguas e culturas do Equador. O "desenvolver" dá essa idéia de dinamismo tao afastada por uma suposta ancestralidade do idioma falado. Como se a antiguidade significasse artrose.

O Eurocentrismo iniciado pela Espanha há mais de 150 anos e levado pelos governantes interessados no bom-olhar europeu ganhou um grande combatente. O DINEIB completa 20 anos e ainda está em pleno funcionamento. Sao 62 profissionais, entre professores e técnicos, a diariamente possibilitarem o acesso das línguas indígenas ao povo equatoriano. O desafio é lutar contra o pouco interesse político em apoiar iniciativas como esta (embora seja do ministério da educacao, as organizacoes sociais e destes povos precisam batalhar ano a ano a existencia do DINEIB).

Falta apoio, principalmente, para a formacao de novos especialistas bilingues.

"Estudar isso representa uma verdadeira engenharia linguistica. É preciso nao só conhecer a sua língua, mas o idioma indígena, se aprofundar na cultura desse idioma, uma grande sensibilidade e intuicao semantica para descobrir os sistemas de derivacao desse idioma e aplicá-la na prática" - diz Luis Montaluisa, um dos mais importantes cientistas indígenas.

Vamos ver até quando a galera segura essa peteca. Em tempos de ameaca de invasao colombiana e ameaca da soberania nacional, o esquecimento da língua é mais um tiro no próprio pé de um país que deseja ser para todos.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Um poeta que lambe as palavras



por Fânia Rodrigues (após encontro com)

Longe dos holofotes que geralmente estrelas de seu naipe atraem, Manoel de Barros prefere a pacata e doce rotina entre os pássaros do Pantanal, algumas de suas paixões secretas, e o mundo animado das palavras, ferramentas e matérias-primas de sua arte. Escrever, para Manoel de Barros, parece ser uma grande brincadeira.

Ainda quando eu era estudante de jornalismo, cismei em entrevistá-lo, mesmo sabendo que era avesso à imprensa. Consegui seu telefone através de uma conhecida que tinha o contato de um de seus filhos. Nunca achei que fosse tão fácil falar com o poeta, que tinha fama de incomunicável. Da primeira vez que liguei, sua filha atendeu e quando eu disse que queria falar com “senhor Manoel de Barros”, ela prontamente passou o telefone, sem nem se preocupar do que se tratava.
Ouvi uma voz fraca e trêmula do outro lado da linha. Como tudo aconteceu muito rápido, não estava preparada para falar com ele naquele momento e as palavras saíram com uma certa dificuldade.

– Boa tarde, senhor Manoel de Barros. Sou estudante de jornalismo e gostaria de conversar com o senhor sobre uma matéria que estou escrevendo a respeito de identidade cultural.


Ele primeiro advertiu-me por chamá-lo de senhor e depois respondeu, não menos original do que poderia se esperar de uma figura como ele:

– Mas 90% do que eu falo é mentira e o restante é inventado, então não tenho nada para falar. (diz despretensiosamente)


Eu já estava estudando um novo argumento para convencê-lo a me receber quando, creio que percebendo meu nervosismo, interpelou.

– Tudo bem, não vou negar a falar com você! Pode vir aqui em casa.

Simples assim! Anotei o endereço e no outro dia lá estava eu no horário combinado. E adivinha coincidência... Ele morava do lado do meu bairro. Fui caminhando para a entrevista.

Fui recebida numa grande sala, mas parecia pequena se comparada a grandeza do “poeta das inutilidades”, como ele mesmo costuma escrever.

Não gravei e não anotei nada do que conversamos naquela tarde. Ele estava por lançar seu último livro “Poemas rupestres”, uma referencia aos desenhos primitivos dos homens das cavernas, onde ele reinventa os significados das palavras num retorno ao velho Mato Grosso, onde nascera.

Depois conversamos sobre o processo criativo e, segundo ele, não existe um fator inspirador, e sua escrita flui sem grandes sacrifícios ou sofrimento. Um “arteiro” nato.

O tempo parece não existir para esse poeta ou, pelo menos, nao é como o nosso tempo, que é contado em horas. Existe um outro cronômetro, seu próprio tempo. Quando pergunto quanto demora para escrever um livro ou um poema, Manoel de Barros diz que não dá para medir. Arte não tem tempo.

– Manuel Bandeira, por exemplo, quando escreveu aquele poema “O cacto” no final ele dizia “era belo, áspero e intratável”. Quando escreveu , ele disse apenas “belo e intratável”, essa terceira palavra o “intratável”, ele demorou dez anos para encontrá-la, porque ele precisava da medida exata que exprimisse o que ele queria dizer, – e assim fica explicado o tempo e um pouco de Manoel de Barros.

Mesmo que fossem escritas em 15 minutos, não seria apenas isso. Como diz Carlos Heitor Cony, “são 15 minutos e mais a experiência de uma vida”.

Quando falamos a respeito do seu mais famoso título “Livro sobre nada”, finalmente entendo que o nada é nada mesmo. Não se trata do “nada” filosófico. É o nada de ausência de coisa mesmo. Na hora pensei: “como pode alguém escrever sobre nada? Não há o que escrever”.


Mas é justamente daí que vem a resposta em forma de poesia. Quando não há o que escrever, Manoel de Barros inventa. Tripudia em cima das palavras. E dança com elas. Um verdadeiro artesão, que tece com capricho e delírio.

“Um poeta que lambe as palavras e se alucina”. Sem pretensão, sem verdade. Apenas pela estética, pela arte e pelo amor à escrita.

– Sou como um cacto, com a exceção do “belo”, – brinca. Posso até concordar com o intratável, mas diante de sua doçura é impossível comungar com a idéia do áspero.

Depois daquela tarde, ver as coisas de uma outra forma, que muitas vezes não passam pela lógica e pela razão. Mas uma coisa é certa, Manoel de Barros sabe muito bem o que está fazendo. Ele faz na prosa, o que em literatura se chamada bricolage. Ao inverter a ordem de certos lugares-comuns obtém resultados como “chovia pelos cotovelos, mas Tião falava a cântaros”, como escreveu Mendes Campos, ou ainda "a quinze metros do arco-íris o sol é cheiroso", do poeta pantaneiro.

Embora não credite influencia de nenhum escritor específico, é bem verdade que Manoel de Barros nunca foi o mesmo depois que leu "Une Saison en Enfer", livro do jovem poeta francês Arthur Rimbaud, que chocou sua época com seu estilo rebelde e anarquista e pretendia atingir a transcendência poética.

Lenda viva

Formado em Direito, Manoel de Barros foi estudar no Rio de Janeiro ainda muito jovem. Conta que morava numa pensão, onde conheceu os amigos da Juventude Comunista. Contagiado pelo espírito revolucionário leu Marx e entrou para o Partido Comunista.


Na época, o país, governado por Getúlio Vagas, vivia um período de conflitos políticos entre o governo linha dura e ditatorial e os revolucionários comunistas, liderados por Antônio Carlos Prestes.

Foi nesse período que escreveu seu primeiro livro, que nunca foi publicado. O único exemplar do livro foi levado por policiais que entraram na pensão para prender ele e os amigos comunistas. A dona da pensão ficou com pena dele que na época tinha 18 anos e pediu que o levassem. Na tentativa de impedir a prisão contou aos policiais que ele até tinha escrito um livro. Foi então que os policiais desistiram de prende-lo mas levaram consigo o livro. Quando pergunto se ele não lamenta terem levado logo seu primeiro livro ele prontamente responde: “ainda bem que levaram. O livro era muito ruim. Foi um livro escrevi para Nossa Senhora”.

Manoel de Barros conta que ainda era do partido comunista quando seu líder, Luiz Carlos Prestes, foi libertado depois de mofar dez anos na prisão. Todos esperavam uma atitude contra o que os jornais comunistas chamavam de "o governo assassino de Getúlio Vargas." O ainda aspirante a escritor, correu para o Largo do Machado, no Rio, "ouvi Prestes dizendo “eu apoio Getúlio, o mesmo Getúlio que havia entregue sua mulher aos nazistas, sentei na calçada e chorei. Saí andando sem rumo, desconsolado. Rompi definitivamente com o Partido e fui para o Pantanal".

Nunca vamos saber se política perdeu um líder, mas a literatura, essa sim com certeza, ganhou o que Drummond já anunciara, “ o maior poeta brasileiro vivo”.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

CANDEIA



O Youtube poderia ser uma ferramente bem eficaz de educacao. De vez em quando, acha-se vídeos muito bons. Melhor quando sao raridades.E melhor ainda quando são raridades de grandes compositores.

O vídeo acima é do filme Partido Alto, do diretor Leon Hirszman, de 82. Mostra um flamante Candeia (uma mistura de B Negao e Aílton Graca) , recuperado de sua depressao pós-paraplegia, explicando os tipos de partido e a maneira de sambar alguns. Foi gravado um pouco antes de sua morte em 78. Detalhe para o prato , para o "amoladinho" (difícilimo de dançar), para o fim da tarde no morro, para as vozes de afinacao natural das tias e para a presenca do ilustre e esquecido atabaque na roda.

Candeia, além dos geniais atributos musicais , foi o que podemos dizer de um "político" do samba. Na boa acepção do termo. Defendeu o samba como resistência cultural, como manifestação popular, totalmente anti-carnaval das escolas de samba (que, a seu ver, já haviam esquecido as bases, a luta e a história do gênero para virarem tipo exportação. Isso, na década de 70.).

Fundou o Grêmio Recreativo de Arte Negra e Escola de Samba Quilombo, que defendia a valorização do negro, os segmentos tradicionais das escolas como alas das baianas , compasso das baterias mais lentos etc. "Era uma escola de samba, não de Carnaval" ou "aqui todos podem colaborar, ninguém imperar", antecipando o futuro das escolas como conceito mulata-nua e coronelismo . Esse caminho de Candeia está bem descrito no livro de Nei Lopes, Sambeabá.

É uma discussão profunda de quem vive e estuda o samba. É válido vender a alma para manter vivo sua história? Até que ponto o lado comercial é sobrevivência ou é máfia? De quem é o carnaval hoje em dia? O que foi feito com quem ralou os pés para deixá-lo vivo? Eu, até algum tempo atrás, defendia a suposta organização política e econômica do carnaval como forma de sobreviver a um mundo mediático, de pressões fortes financeiras. Mas um fato mudou completamente minha visão. E aí vi que Candeira estava certo.

Carnaval de 2006, era o último dos dos tres anos que passei na Avenida cobrindo os desfiles. Um carro da Portela quebra na concentração e abre-se um buraco imenso na passagem da Escola (o carro que levava a velha guarda). O desespero é total, os ponto perdidos seriam muitos, afetaria um monte de quesitos já que, além do clarão, teria que passar correndo, teria uma alegoria a menos e o enredo ficaria capangamente contado. A velha guarda chorava, mesmo. E muito. Alguns amaldiçoavam a diretoria, outros se afundavam no desespero de que a Portela acabaria. Um misto de vergonha e sensação de impotência daqueles que viviam realmente o cotidiano da agremiação. Estávamos eu e Luana Dias (apesar de dizer que não, é uma das maiores jornalistas desse meio, que conhece com profundidade tanto a história gloriosa quanto o presente controverso) no setor 1 presenciando o momento em que Monarco passa sem forças, abatido, sem conseguir tirar os olhos do chão. Solitário, parado. Neste mesmo instante, em contraposição à imagem de Monerco, no auge da decadencia de uma agremiação que é braço e perna do samba, o povo do Setor 1, alheio a tudo e a todos, fazia festa, gritava e esperniava para os artistas da Globo que , igualmente alheios a tudo que passava, de dentro do aquário da emissora, mandavam beijos, sambavam, cambalhoteavam e davam entrevistas com a camisa da Portela dizendo que amavam a Escola e que torciam para ela desde pequenos. Naquele momento eu entendi mais do que nunca que o Carnaval havia acabado. Era um teatro turístico onde os negros se amontoavam nos Bob's espalhados pela avenida e os gringos se assanhavam com a nossa carne.

Enfim, fato é que 2008 é um ano de lembranças para o samba. É aniversário redondo das mortes de Candeia, Jovelina (os dois em novembro ) e do nascer de Paulinho da Viola (já referido no blog).

Que essa história seja realmente vista como patrimônio brasileiro, mas como história e vivências, não como catálogos da rio tur para turistas desavisados. Fato é que estou cada vez mais como Elton Medeiros descreve em Sem Ilusão (música crítica a esse carnaval comercial):

No carnaval não vou mais sair fingindo
que passo a minha vida inteira a cantar
eu vou me divertir, na certa eu vou sambar
mas dessa vez a ilusão não vai me pegar

No carnaval eu sempre saí sorrindo
me divertindo só pra desabafar
três dias pra sorrir, um ano pra chorar
mas dessa vez a ilusão não vai me pegar


quinta-feira, 15 de maio de 2008

Um moleque do Brasil - Luiz Galvão

Uma coisa que a música brasileira tem que se orgulhar é, além de ter músicos geniais, ter letritas igualmente grandes. Um deles é o novo já velho baiano e vascaíno Luiz Galvão. Vindo de Juazeiro, amigo e biógrafo de João Gilberto, fundador, líder e letrista dos Novos Baianos, ainda vejo sua poesia pouco estudada. O termo é esse: estudada. Principalmente na sua leitura de uma identidade brasileira e musical brasileira.

A dificuldade do letrista está em, além de fazer algo literariamente bom, encaixar com a sonoridade da música, o conceito de quem canta, o ar de quem toca. É manejar uma guitarra com as palavras, sincopar os tambores nos acentos. Luiz Galvão fez com o que os Novos Baianos fosse “revolucionário e evolucionário”, em suas próprias palavras. E seu texto não se via só nas canções. Os encartes dos discos eram pequenas obras literárias, manifestos de uma criatividade sem tamanho.

Difícil delinear em poucas palavras e espaço o que ele quis dizer. Mais fácil é admirar as rimas que faziam um Brasil tropical , futurista, malandro, de carnaval e de desapego. Ou seja, mostrava um lado quase espiritual dessa ambiência solta, apolitica, nacional. Se as guitarras furiosas de Gil e a feminilidade crítica de Caetano vinham quebrando o pau na sociedade e no “mesmismo”, os Novos Baianos musicalmente (com a grande ajuda de Pepeu Gomes) recriavam uma identidade musical tradicional brasileira. E Luiz Galvão recriava o mesmo ser humano brasileiro , da festa, da alegria, dizendo coisas como “ Minha carne é de carnaval / Meu coração é igual”.
Ou remetendo a imagens idílicas da Bahia travestida de um alto teor espiritual como “Com tanto cabeludo, com tanto pôr-do-sol / Bem cabia uma profecia: até o ano 2000, / O Farol além do pôr-do-sol / será o pôr-do-som / Onde verás uma realejo, onde verás um violão”.
Suavizando a dificuldade, os percalços de um brasileiro com “Ao meus olhos bola, rua, campo e sigo jogando / porque eu sei o que sofro / e me rebolo para continuar menino como a rua / que continua uma pelada”. Antecipou a onda menina-lapa-livre-leve-e-solta-na-sociedade-moderna com A Menina Dança (“E dentro da menina / A menina dança /E se você fecha o olho / A menina ainda dança / Dentro da menina / Ainda dança”.).

É curioso porque esse suposto regionalismo vem acompanhado de um rock furioso dos arranjos.
É a suavidade, o modernismo da década de 70 e a fragmentação de mil personalidades de um homem ideal (um homem Novo Baiano que o brasileiro parece ter copiado e comprado) das letras e a veia pesada das guitarras, como se houvesse um diálogo meio zombeteiro , como se o que tivesse sendo dito fosse apenas ironia. Como se não importasse o Brasil, o brasileiro. E o ideal era que tudo desse nessa Bahia, que é mais o lugar platónico que o estado. Luiz Galvão conseguiu mostrar a ideia (mais que a explicação) de uma maneira genial e fundamental até para as futuras gerações pensarem o que somos. E agirem como tal. Se é complexo, se é cantado, meio cordel, meio Caymmi, meio hippie, gramático ou carnaval, é Galvão.

Em sua definição de si mesmo: “E pela lei natural dos encontros, eu deixo e recebo um tanto. E passo aos olhos nus ou vestidos de lunetas / Passado, presente, participo sendo o mistério do planeta / (..) No que sigo o meu caminho e no ar que fez e assistiu. Abra um parênteses, não esqueça que independente disso eu não passo de um malandro. De um moleque do Brasil, que peço e dou esmolas / Mas ando e penso sempre com mais de um, por isso ninguém vê minha sacola”.

Galvao e Joao






quarta-feira, 14 de maio de 2008

¡Que lo cumpla feliz, Ernesto!


Hoje é o aniversário de 80 anos do nascimento de Che Guevara. Ninguém comemora porque, oficialmente, o "Fuser" nasceu no mês que vem.

A confusao está explicada na melhor biografia já escrita sobre o mito, de autoria de Jon Lee Anderson (em espanhol: "Che, una vida revolucionaria") , um jornalista americano meio direita que colocou um pouco suas ideologias de lado e fez um retrato neutro, crítico e muito sério sobre o personagem histórico.

"(a mae de Che) explicou que a mentira foi necessária porque no dia do seu casamento com o pai dele, estava no terceiro mes de gravidez. Foi por isso que, imediatamente depois do casamento, o casal saiu de Buenos Aires e foi para a remota selva de Misiones (...) Poucos meses antes do parto, viajaram pelo Rio Paraná até a cidade de Rosário. Ali deu à luz e um amigo médico falsificou a data no certificado de nascimento: a atrasou um mes para proteger o casal do escandalo."

O livro é muito bom, é necessário. Longe de derramar glórias ao Che, tenta montar a mente do jovem abastado , em algumas partes de sua vida racista, que se transformou e transformou a luta social em todo o mundo. Contextualiza seus passos, os passos das pessoas que atravessaram seu caminho e, através de entrevistas feitas com parentes, cartas, documentos, vasculha o pensamento do homem (ou o que possivelmente foi esse pensamento) .

Em novembro do mes passado, o autor deu uma patada linda na...como chamar...bem, na Veja, que usou sua obra por um lado torto, mentiroso, reacionário e, por ser tao escandalosamente "ajornalista", cômica.

O livro mostra também que, nao sei se destino ou mais um penduricalho de Deus para enfeitar ou dramatizar ou justificar as biografias, Che nasceu no mesmo dia, no mesmo hospital, em que morreu, crivado de balas, um portuário grevista que protestava por melhores condicoes de trabalho.

Ramón Romero "Diente de Oro" , de 28 anos, foi assassinado por capatazes contratados pela agencia de emprego dos estivadores com uma ferida de bala na cabeca.
E Che escreveu a história dos dois.






segunda-feira, 12 de maio de 2008

Hermetismo, palavra fácil.




O intelectual acaba com a própria intelectualidade.

O que vejo são autores que dimensionam a grandeza de nossas relacoes pelo ego de quem expoe , inventa ,pensa essas relacoes. O autores da nova literatura brasileira parecem ter esquecido que o ato de escrever não é o ofício de mostrar o domínio da palavra, não é encerrar a palavra em si mesma. O hermetismo de alguns livros serve para mostrar não o talento de ser fragmentado, cheio de referências e metafísico. Mas para provar a completa inabilidade de simplesmente contar uma história.

E é nisso que os intelectuais afundam. Em não perceber que o ato de contar uma história, por mais primário que seja, é uma arte difícil de ser exercida. Porque, para contar uma história, é preciso ver de várias formas, lugares e, o mais importante, saber comunicar o que se vê. Além de todo movimento, todo conceito por tras de qualquer coisa, o humano, nossas relacoes e pensamentos , nossa vida comum ou nosso heroísmo, nossa universalidade ínfima ou íntima, é sabida, vivida, modificada, através do que nos contam , do que vivemos e problematizamos nas histórias cotidianas. E essas histórias não podem ser intelingíveis por sua forma. O hermetismo não gera obras sem-tempo. Porque o hermetismo é a miopia da intelectualidade. E , miopes, não transcendemos.

Tudo isso é para elogiar ainda mais o filme “A família Savage”. A obra é mais um fruto do estilo indie americano, com muitas imagens no carro, muito céu e muito piano na trilha sonora. Tem um monte de coisas intelectuais, mas não é hermético, pelo contrário. É generoso ao mostrar a atuação genial de Philip Seymour Hoffman e Laura Linney (aliás, de todos os atores, justiça seja feita), ao ser simples e eficaz ao ser pouco profundo em reflexões e muito denso na ambiência e nas atitudes. Nas pequenas atitudes ordinárias, nos pequenos sentimentos cotidianos. Traz questoes sérias em forma de dilemas, mas muitas vezes é irônico, engraçado e despretensioso ao responde-los. Nos faz identificar, torcer. Conta uma história de maneira clara. E deixa para nós a decisao de deixar a alma turva com o que apreendemos dela.

Faz muitas referências ao pensamento de Bertolt Brecht, mas não impossibilita quem não o domina de entender o que está dizendo (entender tanto quanto quem é especialista no autor). É cheio de piadas inteligentes sobre nosso cotidiano, mas não é elitista, (o risinho do discreto charme da burguesia). Porque mostra que a arte é do humano, não do intelectual. Tem um ritmo europeu (isso é intelectual de minha parte), amplia o costumeiro e banal em importante, expõe os defeitos dos personagens, mas não os julga. Assim como não o faz com as qualidades. No fim, é a história de dois irmãos que aprendem a se comunicar ao se comunicarem com seus traumas, seu pai calado e moribundo e suas vidas atuais. No fim, é apenas uma ótima e emocionante história.

Que os novos intelectuais brasileiros (genios jovens, modernos e descolados) aprendam que compartilhar o mundo é mais difícil e exige mais talento que governá-lo como tiranos. Porque o tirano pensa só.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

SAMBA TORTO



Mesmo com a velocidade da internet e da circulação de informações, algumas coisas (principalmente as boas) demoram para chegar em nossos ouvidos. Um desses ótimos acontecimentos foi o lançamento do disco de Clara Moreno, Samba Torto , que saiu em Abril do ano passado. Só agora tive conhecimento de sua existência.

Uma pena, porque perdi um bom tempo para apreciar um dos melhores discos de mpb dos últimos anos. Clara já faz música há alguns anos, quando pequena cantou em obras de Egberto Gismonti e , olha que lindo, do Originais do Samba (com a ilustre presenca de Mussum), cresceu e lançou 5 discos , misturou bossa, mpb, música eletrônica e resolveu fazer um estilo mais acústico nesse.

Ela também segue um pouco do caminho de outros artistas, como Bebel Gilberto, de lancar discos fora (por isso até a dificuldade de achar aqui, pela dificuldade das gravadoras e empresários apoiarem e reconhecerem bos artistas). É filha de nada mais nada menos do que a "monstruosa" Joyce (Clara / Ana / E quem mais chegar). E, para essa obra, ganhou da mamae e de Celso Fonseca duas composicoes primorosas (a primeira com Quem Sabe e o segundo com Litoranea, onde fazem um dueto singelo e elegante).

O disco tem regravações de alguns clássicos como "Morena Boca de Ouro", de João Gilberto e "Bahia com H", gravada pelo mesmo chatinho. Além de "Vem Morena Vem", do Ben. Para quem diz que samba é coisa de pobre, preto e nao merece respeito, ela elitizou o canto numa belissima versao "samba-sincopada-voz-susurro" de "Mon Manege a Moi", conhecida na voz de Edith Piaf, tocada e arranjada por Joyce.

Além das belas composições e do virtuosismo dos instrumentos (um trio apenas a acompanha), a gravacao bruta (sem efeitos, interferências eletrônicas) do disco abre espaco para a voz de Clara, que traz a real interpretação das músicas, não gritos esgarniçados e um tom lugar-comum (como a da Céu). Sua voz é encantadora, de uma fragilidade pensada, meio falada, meio Lapa, meio cachaça. Em plena Bossa Nova. Na verdade é isso. Tirou um pouco da chatice da Bossa Nova. O disco tira o estilo do platô monossilábico e plácido dos deuses e a enche de pequenos defeitos da alma. É íntimo. É a música de elevador que faz o ascensorista sambar.

O nome não poderia ser melhor. O samba "torto" que endireita os pés de quem ouve.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Marcha, rebanho.


Preferia ficar calado sobre isso, mas as opiniões estão aí para serem dadas. O tema é a famigerada “Marcha da Maconha”. Não a marcha em si, que considero válida porque válidas são quaisquer manifestações pacíficas que suscitam diálogo, que mostram visões de mundo, que pregam mudancas sociais ou que só juntam gente (porque juntar gente também está bem). Antes de qualquer coisa, sou a favor dela.

O que, na minha humilde e subterrânea opinião é que temos tomar cuidado é exatamente com essa armadilha das certezas e da opinião como ego (ou seja, defendida com unhas, dentes e violência, criada para não ser posta à prova nem derrubada). Isso, infelizmente, é o que anda passando pelas vozes que discutem o ato e o conceito da manifestação. Principalmente de quem o defende.

Não aprofundo nada aqui, mas me espanta e me decepciona a ausência quase total das falas dos moradores da favela, principais sofredores da violência na cidade (não vítimas ) que, em tese, é um dos temas principais nessa questão.

Me espanta também que os jovens , lideranças jovens (ainda pouco claras), cabecinhas jovens tenham como prioridade esse tema. Ao meu ver, poderíamos juntar nossas mentes brilhantes e peitos opinativos para organizar atos tão ou mais importantes, como a Marcha da Saúde, a Marcha da Educação (escolar, popular, ambiental, democrática), a Marcha da Vigilância Política, a Marcha da Reciclagem, a Marcha do Transporte, a Marcha da Acessibilidade às Pessoas Portadoras de Deficiência e alguns outros assuntos que nos causam mais tensão que relaxamento.
Me causa estranheza também que algumas vozes se tornem tão importantes e afirmem tanto, quando não vejo bagagem nem vivência para ditarem palavras de ordem em vez de uma vontade de diálogo, como a de Tico Santa Cruz. Reconheço sua dor por perder um ente querido, sua indignação com o país etc, mas não pode se tornar um especialista em violência , drogas e descaso político. Não pode se tornar unifonte de reflexão sobre o que passa com esses asuntos, até porque creio que está bem longe de onde realmente acontece e sofre o que critica. Embora concorde com muitas coisas que fala, sei que seu espanto escrito apenas toca algumas faces da superfície dos problemas.
Me decepciona o uso que algunas pessoas fazem da Marcha. Em Buenos Aires, pelo menos, foi uma espécie de quintal hippie sem apelo, sem aprofundamento, discussão, com gente doidona que , em vez de se manifestar, apenas fumaram. Eu nao vejo argumentos claros e pensados, assim como nao vejo jovens e adultos organizando de forma clara os pontos a serem tratados. É um contra-senso porque esse tema raspa em outros diversos, que se conectam na vivencia social como violencia, forças policiais, desigualdade social, estrutura hospitalar, propaganda, indústria farmacêutica, do tabaco, da bebida, educação, planejamento familiar e por aí vai. Quem quer vociferar o uso permitido da maconha, precisa entender o que o seu pulmão respira um ar respirado por outros pulmões.

Em suma, sem querer babar a brenfa, a marcha só será real e eficaz quando já tivermos os pés mais gastos com o debate e as acoes. Caso contrário, dará apenas sono e uma fome estranha.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

PQP NO CQC!

Já se falou muito do CQC. É só botar no Google. Semana passada eles deram mais uma bola dentro. Agora, na Feira do Livro que rola em Buenos Aires.

Genial o fato que eles exploraram: o stand da Embaixada dos Eua não tinha livros! Repetindo: na Feira do Livro, a representação do país mais "Aprendiz" do mundo, não levou livros.

Apenas um foguete meio megalomaníaco, cadeiras e tevês. Nada mais perfeito para exemplificar o amor e a humanidade americanas com relação à cultura, ao subjetivo e ao lúdico.

Então lá foram os rapazes do CQC e , numa movida igualmente genial, chegaram no stand de Cuba, repleto de livros, e pediram alguns emprestados para ajudar ao primo rico, sovina e gordo traído americano. O pessoal responsável pelo stand cubano aproveitou e ofereceu um montão de obras.

Livro cubano, no c...do americano.

Para ver o vídeo (ainda nao está no Iútubo).

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Bonitinho, mas...


É muito complicada a relação entre mercado e alma. É a velha discussão entre a flexibilidade de caráter e venda dos ideais. Mas tem gente que , embora participe e ajude a roda a girar, tenta seguir os seus princípios. O ator George Clooney é uma dessas pessoas. Muito se fala dele como galã, mas pouco se fala como um pequeno vírus que de vez em quando deixa Hollywood um pouco doente.

E talvez seja por esse lado mais comercial que ainda tem bala na agulha para produzir obras muito boas, diria fundamentais, que vão contra a corrente do pensamento cinematográfico americano.

Geralmente não têm sucesso de bilheteria. Não sei por decepção do público, que vai ao cinema esperando algo de sua cara bonita e charme. Não sei se porque os projetos que faz são muito críticos ou difíceis para a mente serena dos expectadores reacionários. Fato é que, mesmo na adversidade financeira de suas producoes, segue na batida. Incomoda.

Abaixo alguns filmes do astro que merecem respeito e serem vistos.

Boa Noite, Boa Sorte: Quase um libelo anti-anti comunismo, uma crítica contundente ao Mcartismo dos anos 50. Usa um programa chamado See it Now , comandado pelo jornalista Edward Murrow. O filme é tenso, preto e branco, com uma luz esfumaçada, como se tivéssemos dentro dos tempos difíceis e nebulosos da época. No entanto, fala do passado alfinetando o presente político americano. Feito de diálogos profundos, sérios e da interpretação contida e magistral de David Russell Strathairn. Obra-prima.

Leatherheads: lançamento mais recente. Risco de George Clooney como diretor e produtor. Conta a história do início do futebol americano, quando ainda era feito de heróis mineiros, pobres e bêbados. Bem longe da indústria bilionária que é hoje. Resolveu fugir de uma provável formato épico e emotivo. Transformou o filme num interessantíssimo estudo estético, uma comédia muito bem desenhada, passada nos anos 20, com trilha sonora muito bem encaixada e linguagem leve e criativa.

Syriana: Atua e produz. Drama político que expõe sem vergonhas a indústria do petróleo americano e sua relação suja com alguns países produtores do Oriente Médio. É um filme para se ver três vezes para absorver integralmente o raciocínio dos personagens. Na linha da crítica aos detentores do poder americano (políticos, a CIA e empresários, principalmente). Matt Dammon mostra seu valor.

Confissões de uma Mente Perigosa: dirigido por ele também. Conta a história do homem que inspirou Silvio Santos e, por sua vez, quase todos os brasileiros, com seus programas populares apelativos e inescrupulosos: Chuck Barris. Clooney se virou muito bem ao mostrar uma personalidade complexa, de grande importância e histórias controversas. É um drama forte, experimental e de ótima qualidade.