sábado, 27 de outubro de 2007

Jenifferização do Globo ou Quércia Vem Aí



Jurei não escrever mais sobre a argentina nesse blog. Mas estou aqui e leio coisas do Brasil. E vou ser breve.

Com todo perdão ao Globo, ao discurso de audiência na Internet, de informalidade da linguagem e essas justificações mal-ajambradas para o fim de um jornalismo sério, vá às cucuias a matéria sobre Cristina Kirchner, publicada ontem no on.

Estou aqui em Buenos Aires e acompanho de perto e com muita atenção as eleições (que se darão neste domingão. De sol, espero). A Argentina não é um país qualquer. Está atrelada ao Brasil historica, cultura e, por causa do louvável (embora criticável) Mercosul, econômicamente. Milhões de coisas importantes ocorrem nas campanhas e no atual governo. Ótimas variáveis para serem exploradas nessa reta final (e algumas, justiça seja feita, postadas no referido site) como a divisão por classe social dos votos argentinos, a disputa pelo segundo turno, a força das mulheres na política daqui e a constante reinvidicação ao posto de Evita Perón, o desinteresse dos jovens portenhos pela atual eleição a presidente, o antikirchinerismo, as mil patas do peronismo (o que é? o que é o neo? como se tansformou nessa cultura neoliberal? quem se aproveita dele?), o suposto aumento da corrupção (mas como também esse governo denuncia mais do que outros), o Indec (taxa de inflação), as coligações e a força das províncias nos votos, a falta de presidentes de mesa para as urnas, as filas imensas e às pressas para retirada do DNI (identidade daqui e que permite votar) e etc.

No lugar disso, um retrato triste, pouco inspirado, de alguns editores de moda, sobre o jeito Cristina de se vestir, pentear etc. Com a pretensão de ser um retrato sociológico através da banalidade (o que se pretende pós-moderno e cujo resultado mostra o contrário), dizem que a candidata é uma espécia de Jennifer Lopez. Como diria Silvio Luiz: o que é que eu vou dizer lá em casa pra patroa? Eu não digo nada. Em vez disso deixo uma sugestão de matéria (pra aqui ou para o Brasil) de uma excelente e séria (nunca vi nada parecido aí) revista chamada Caras Y Caretas (especial eleições).


Na edição 'A Epopéia do Voto', a história do voto na Argentina contada por diversos especialistas, com artigos aprofundados e informativos. Assim como crônicas e reportagens especiais sobre fatos do país (aumento da pobreza, aniversário de morte do Che Guevara, a poluição dos Rios em torno de Buenos Aires). No entanto, uma me chamou atenção pela criatividade, apelo e contextualização.

O jornalista Pablo Llonto , em matéria chamada, 'Yo Pintaré las calles nuevamente', conta a história das eleições na argentina através das pixações nos muros de Buenos Aires. Palavras de protesto, reproduções de jingles e slogans de camapanha, frases proferidas por políticos. Tudo isso faz parte da cidade e nos conta, num mosaico meio marginal, o que se passou e o que se pode passar. Está no dia-a-dia, no nosso andar.

Ele faz um retrato simples e informativo sobre o que nos conta as palavras dos muros. As isenta da carga de marginalidade geralmente atrelada. Uma espécie de ensaio breve sobre os Quércia Vem Aí de nosso país.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

GRAN HERMANO QUE VALE ASSISTIR



Quem é melhor: Pelé ou Maradona? Todos sabem que a esmagadora maioria dos brasileiros escolhem o negão e os argentinos , muitos deles, vociferam o posto de dieguito. No entanto, a tevê argentina deu um exemplo de que essa discussão pode ser aprofundada, alongada e , contra o que dizem os mestres instantâneos de mba’s da vida, encher de cultura o grande palco da espetacularização barra vendas. Nada que ver só com a questão acima. Até porque Armandito ficou fora da resposta à uma pergunta um pouco mais ampla: qual é o maior argentino de todos os tempos?

Mais de dois milhões de portenhos responderam, através da clássica fórmula bigbrotheriana de sms + internet. Quem perguntou foi o programa El Gen Argentino , que passou no canal aberto Telefe. Interessante ver nomes grandiosos como Borges, Fangio, Evita, Che Guevara, Piazolla, Mercedes Sosa, o próprio Dieguito e por aí vai. Melhor ainda verificar o formato do show. Composto por um apresentador e quatro especialistas (três jornalistas e um historiador – que municiavam de informações , elogiosas e críticas, aos telespectadores, assim como respondiam perguntas sobre as figuras históricas), além de uma platéia um pouco mais questionadora que as velhinhas vazias e doces do Sílvio Santos, ‘El Gen’ tentava explicar um pouco dos passos de uma nação através dos seus mitos. Dividiu primeiro em categorias (esportes, artes, política). Depois foi rolando o saudoso mata-mata (volta, Brasileirão!) até se chegar nos finalistas.

Vão dizer que é impossível fazer esse tipo de julgamento, que é perda de tempo, etc. Para mim, a quem interessar possa saber o que acho de alguma coisa, todo tipo de reflexão a ser feita nesse mundo midiático é válida. Ainda mais quando entra em um canal aberto, democrático. O próprio apresentador, antes de anunciar o hermano número 1, agradeceu a oportunidade de se fazer um tipo de programa assim: com análises, informações históricas, debates críticos, sem a presença (incrível essa) de nenhuma modelo-atriz, ator-cantor, famoso-nada, participante-quem, da vida. É um momento de se respirar e dizer, de um certo modo, que ídolos criamos, qual o seu legado, como devemos ver isso, o que lembrar, por que lembrar. O formato da Endemol teve sua hora de anjinho e cochichou coisas boas nos ouvidos dos teles. Curioso notar também que os argentinos também precisam tomar mais óleo de fígado de bacalhau patriótico. Ginobili teve mais votos que Borges, Batistuta na frente de Piazolla e , entre os 30 mais, nenhum ativista política, prêmio Nobel. Um dos julgadores presentes puxou a orelha da galera: “Que tenham mais senso crítico e orientação histórica na hora de votarem” (a eleição para presidente aqui é em duas semanas)”.

Percalços à parte e mesmo merecendo mais votantes, a contenda chegou ao fim. Cara-a-cara, dois monstros sagrados das ações transformadoras de um país e dos seres humanos dentro dele: General San Martín e René Favaloro. O primeiro libertou todo mundo. Nasceu aqui, foi pra Europa, lutou com os espanhóis contra os franceses , voltou e , contra os mesmos espanhóis, quis libertar sua terra. Acabou ajudando a libertar o Chile e o Peru também. O segundo foi só o cirurgião cardíaco que criou o by-pass, a ponte de safena, que salva milhares até hoje. Favaloro operou um bondão da classe pobre de graça e se suicidou em 2000. Deu o General por apertados 55%. De qualquer maneira, uma linda reverência a tudo o que um país criou, uma eficiente referência aos chicos que podem criar mais ainda.

E o Brasil, hein? Por quê não copiamos descaradamente e fazemos algo do tipo? Não vale a pena tirar mitos encruados das entranhas? Recriar Getúlio é mexer no queijo do Lula? Humanizar o Pelé é tirar da indústria folclórica e identitatória do futebol? Dizer que Machado é preto é burrice de movimento? Estamos com medo de que a Xuxa apareça na frente de Paulo Freire?

Será que temos medo de não ter figuras que escapem de fatos vexatórios? Será que daremos conta de que a pergunta que nos corrói e que afinal teremos que fazer é uma pergunta sem resposta?

Quem é melhor: Capitão Nascimento ou Zé Pequeno?

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Guerra dos Tomates


Nao precisei ir muito longe para ver uma açao de coletividade funcionando. Virei a esquina. Aqui em Buenos Aires , em plena era do elogio do consumismo e prazer pessoal, os cidadaos, exercendo o papel de verdadeiros consumidores (os que entendem que a força está em quem compra, nao em quem vende) deram uma aula de organizaçao e atitude. E o vilao dessa história nao é nenhuma mega –corporaçao. Trata-se de um serzinho vermelho, meio fruta meio legume, com pele fina e vascularizada: o tomate.


Há um embate aqui sobre as taxas de inflaçao, o chamado INDEC, divulgadas pelo governo. O presidente Kirschner diz que elas estão corretas, ou seja, baixas, controladas. Alguns outros órgãos independentes, de entidades de consumidores (Defensa de usuarios y consumidores, Centro de Educación al Consumidor, Asociación de Defensa de Usuarios y consumidores ,etc) dizem que não. E, para provar, compararam o preço do tomate divulgado pelo INDEC e o preço real. Parece piada. Na tabela do governo, o fruto está em torno de 04 pesos, o kilo. Nas prateleiras de supermercados e nos mercaditos ou verdulerias (umas lojinhas bonitas e organizadas que vendem frutas e verduras e que estão quase em toda esquina) chegam a 18 pesos. Ontem passei por uns três aqui no bairro de Palermo. De manhã o tomate estava custando 16, o kilo, em média.


Pois bem. Os argentinos ,então , pararam de reclamar e agiram. Tais entidades convocaram a populaçao para uma semana de boicote ao vermelhinho. Nas ruas, apoio total. Quase ninguém compra tomate. Todos acham um absurdo, que há alternativas para a salada e para os molhos. Até os comerciantes fazem aquela cara de sem-graça e concordam com a ação. É uma mobilização para mostrar que o governo está enganado (ou querendo enganar). Alguns supermercados, eles mesmos, se juntaram e comunicaram que não vendem mais tomate até o preço abaixar. O presidente da Federação de Comércio de Buenos Aires, o Raúl Lamacchia, declarou ao Clarín que o alto preço é fruta da grande demanda, resultado do crescimento que vem passando o país. Os agropecuários se calam. A favorita à sucessão da presidência, Cristina Kirschner, diz que essa dinâmica nos preços é razoável, normal. E voltou, junto com o marido, a defender o INDEC. Detalhe que no almoço de ontem dela com alguns empresários, de acordo com o La Nacion, uma bela salada caprese, com um belo recheio de tomate. A oposição faz o seu papel (se opor) e diz que, nas palavras de Roberto Lavagna, adversário direto de Cristina ( e ex ministro da Fazenda de Kircshner)o governo fez um monte de besteiras na área econômica e que suas intervenções fazem cair os investimentos.


Palavras à parte, li o Clarín de hoje e vi que o preço dos tomates tinha baixado drasticamente. Em apenas um dia. Fui novamente no mercadito aqui perto de casa. Cheguei na seção do fruto, o dono me olhou sabendo que eu só estava lá pra ver, checar, assim como muitos outros o faziam na mesma hora. Fui embora com a comprovaçao do Clarín e da força das atitudes coletivas. Em pouco mais de 24 horas o kilo do tomate da salada caprese de Cristina Kirschner tinha baixado de 16 para incríveis 9 pesos. “Tenho que baixar. Ninguém compra tomate” – disse o dono do mercadito. E ainda temos uma semana pela frente.

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

O ensinamento de um mito



Dezembro de 2007 será o mês de aniversário de uma revolução. A primeira, de duas. Provavelmente não será comentada como o marco de uma era, e do modo de vida de uma era. Provavelmente o seu líder , o Buendía do sapato brilhoso, será o foco distorcido de um acontecimento lindo. No dia 01 do mês referido, há 25 anos atrás, o álbum Thriller, de Michael Jackson, era lançado nos Eua.


Foi pioneiro ao levar à criação da linguagem dos videoclipes modernos, como na faixa-título. Foi profético ao mostrar (a ainda invisível) monstrualização de um artista. Foi suave , na junção melódica perfeita com Paul Mcarney em ‘Girl is Mine’. Foi genial por causa também da genialidade de Quincy Jones, como no arranjo de Beat It (salve Van Halen), uma faixa perdida em mais de centenas, que encontrou o ouvido privilegiado de um negão jazzístico. Foi pop, profundamente pop e em tudo o que isso pode significar além da fama e quantidade (de grana, de flashes, de polêmicas, de palavras) , no feito quase insuperável de ‘Billie Jean’. Não foi um disco.


E também não foi daí que o mito de MJ surgiu, mas foi a partir dele que houve o casamento quase sagrado de um homem, sua música, do mundo e de como esse mundo se move. Thriller e MJ entraram como água nos parafusos do sistema pré-neo-liberal, no embrião das tvs musicais, do mercado paralelo da fama, do espetáculo, no apocalipse imagético preconizado por Debord, da imagem acima de tudo. A música do álbum também era imagem, e imagem virtualizada, na pura acepção de fluidez (Bauman) , metamorfoses. Era um mosaico de identidades possíveis (o trash, o romântico, o pop). Indicava o fim da modernidade tão comentada pelos pós-modernos. Era o que a indústria da música precisava pra vender, era o que a indútria televisiva precisava para aprender a fabricar mitos em mundo que já metia o pé na globalização, era o que as pessoas do mundo precisavam para aprender a consumir e a se desforrar de alguns penduricalhos. E está aí a revolução. Não era apenas música, mas também não era comportamento (só o Sgt Peppers bastava se fosse). O álbum não foi o marco de uma era. Ele ensinou o que essa ‘era’ poderia ser.
Mas sua importância se perdeu no tempo (anti-tempo, pós-tempo, destempo). Exatamente porque as engrenagens são tão líquidas que não têm memória. Um deus não é tão deus assim. Ficou em segundo plano porque o seu general pulou para o primeiro. E, nesse movimento, está a segunda revolução citada lá em cima. Um dos criadores da maneira de se ver as coisas no mundo, cortou os olhos do mesmo mundo (como Buñuel e Dalí fizeram em Cão Andaluz). Ele se monstrualizou. E fez a maior crítica já feita a esse sistema.


Aí é outro pequeno e pretensioso texto. No mais, parabéns aos 25 anos de uma obra-prima da música. Do avô de tudo o que se conhece como pop atualmente.