Existe um cheiro realmente representativo da humanidade? O desenhista Miguel Brieva (33) tem uma resposta: o dinheiro. Esse aroma que "soltam as notas e as moedas, mistura de suor, de poeira , sujeira de bolsa e de bolso, de guardado, de longínquo eco de metal e papel".
Não à toa , foi assim que batizou a uma revista que durou cinco números no mercado de comics espanhol e que agora o selo argentino Ex Abrupto está fazendo conhecer no país, com um compêndio de alguns de seu trabalhos.
Revista de "poética financeira e intercâmbio espiritual", é o que se lê na capa. Brieva explica que a idéia surgiu quando um dia se perguntou como seria uma poesia escrita pelas pessoas das altas finanças, em um ponto claramente humorístico e de denuncia".
Como vivia muito perto do mercado El Rastro, em Madri, Brieva começou a juntar o material que as pessoas jogavam fora no local. Jornais, revistas, livros, tudo servia para que recortasse e fizesse colagens. Às vezes, copiava trechos de alguns anúncios velhos e mudava certos elementos. Assim surgiu a estética característica de seus desenhos, onde o surrealismo e a crítica feroz ao sistema, mais que riso, geram angústia. Dinero é a criação de um mundo e, ao mesmo tempo, um retrato cínico da consciência capitalista.
Clarín conversou com Brieva durante sua breve visita a Buenos Aires, onde participou da exposição Dinero- Consumo Cuidado, no Centro Cultural da Espanha.
Brieva é uma das maiores figuras da nova geração de desenhistas espanhóis e diz que agora quer trabalhar sobre idéias mais construtivas. Diz que em seu trabalho o riso é amargo.
"Fico toda hora brincando com coisas muito terríveis".
Coisas como bebês que querem ser "bombas nucleares" quando crescerem, que pedem indenização quando nascem, ou crianças que perguntam a suas mães quem era os "comunistas" (sic) e a mãe responde que "eram como uma seita estranha em que todos tinham que comer a mesma comida ..e também uma moda de vestir..." .
Em uma outra imagem aparece um secretário de Defesa que apresenta as novidades para a temporada Outono-Inverno de intervenções humanitárias e, apontando num mapa , comenta: ''É esse aqui o novo país em que nossas bombas vão voltar a fazer o bem". Esse é seu humor.
O desenhista se pergunta por que a sociedade segue um caminho errado: "As características do capitalismo atual, o livre mercado ou poder do mais forte existe desde o princípio da humanidade e , século após século, império após império, de país em país, se resume em um desastre. Se aplicássemos a mesma lógica que levamos quando descartamos outras formas de organização social e econômica, o capitalismo , teoricamente, deveria estar fora desde o início de nossas escolhas".
- E por que sobrevive então?
- Porque o ser humano tende a funcionar por estruturas de poder. E o capitalismo é o sistema que melhor se adapta às estruturas de poder, porque o capitalismo é uma espécie de fascismo com hiperprodução.
- Um fascimo invisível.
- É o fascismo dos peitões, dos carrões, dos cartões de crédito. É o sistema melhor engendrado para trazer à tona o pior das pessoas. Também é difícil erradicá-lo do mundo, que, por sua vez, está construído por uma séria de multinacionais muito poderosas, dirigidas por uma elite mundial.
- Na Espanha, a multinacional Random House Mondadori vai editar uma seleção de alguns desenhos de Dinero. Você não acha contraditório?
- Sem dúvida. Mas também penso que a contradição já está no simples fato de viver nas sociedades modernas. Colaboro com publicações que são coerentes com a minha mensagem, mas não poderia viver só disso. Também agradeço que grandes jornais, como o El País, publiquem ao El Roto, por exemplo, que é um artista muito crítico e agudo. Se ele fizesse esses desenhos apenas em sua casa, jamais o conheceria. Cada um tem que decidir os níveis de contradição que assume.
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