domingo, 3 de junho de 2007

HEROES: o balanço da primeira temporada


Depois de 23 episódios e muita falação sobre a série-fenômeno da temporada, terminou (pelo menos para os gringos e para os downloadeadores apressados) a primeira temporada de Heroes. Ou o "Volume Um", como o criador Tim Kring prefere chamar. (Aliás, também já começou o "Volume Dois"; volto a isso mais adiante.)

Agora que acabou a temporada, é hora da reflexão. Heroes apareceu na mídia como algo inovador, com indícios de que seria uma revolução no mundinho dos enlatados norte-americanos. Não foi pra tanto, mas a série ressaltou o aspecto extra-TV de uma forma jamais vista.

Além da TV

Antes mesmo de começar as filmagens, os produtores da série fizeram direitinho a lição de casa. Heroes é (assumidamente) conseqüência direta do sucesso de séries como Lost e 24 Horas, em que o espectador precisa acompanhar todos os episódios desde o início. Pela presença de Jeph Loeb e Greg Beeman na equipe, é possível considerar que Heroes também é filhote de séries como Smallville e Supernatural, com seu uso de efeitos especiais de forma rotineira (algo que afeta drasticamente a rotina de produção). Em entrevistas, a equipe sempre ressaltou que os erros e acertos dessas séries guiaram muitas de suas decisões.

Outro aspecto muito interessante é a relação dos criadores com a imprensa. Tim Kring deu ótimas entrevistas antes e depois de momentos-chave da série (após a revelação da identidade do verdadeiro pai da Claire, por exemplo), sempre informando/revelando detalhes (sem spoilers) que trazem mais significado à mitologia da série e mostram que tudo tem um motivo (uma lição aprendida com a falta de informações sobre Lost). O ComicBookResources, um dos principais sites de notícias de HQ nos EUA, fez uma coluna semanal chamada "Behind the Eclipse", apresentando perguntas e respostas com dois dos roteiristas (são oito ou nove no total). Ali, além de responder à dúvidas sobre o episódio da semana anterior, os roteiristas colocavam desafios aos leitores, como descobrir o nome do Bennet (quem viu o episódio final já sabe!) e a importância do número 9 na mitologia da série.

A própria equipe de produção se esforçou muito para criar atrativos além da série em si no site oficial. A opção de oferecer os episódios para download para o público foi vista como um suicídio econômico por muitos. Por que alguém reservaria um horário pra ver na TV algo que poderia ser visto a qualquer momento depois de algumas horas? A estratégia era permitir que o espectador novo pudesse saber o que aconteceu antes e que o fã pudesse achar um novo sentido em antigos episódios a partir de fatos revelados nos novos, algo que anteriormente só era permitido em reprises ou no DVD. Como atrativo para o futuro DVD foram prometidos muitos extras, inclusive a versão original do piloto de 72 minutos com uma trama parcialmente diferente.

Ainda no site oficial, foi disponibilizado o blog do Hiro, justamente o personagem mais nerd/geek que se tornou rapidamente o favorito dos fãs. Desde o início da série, o site oficial também oferece HQs online, que não apenas revelam detalhes sobre certos personagens ou sobre momentos não-mostrados na série (como a fuga da prisão do DL), mas também foram o principal palco da personagem Hana Gitelman/Wireless. A moça israelense, a única a ter um "codenome" (ou seria um "nickname"?) além do vilão Sylar, pouco apareceu na série, mas teve sua vida contada nas HQs online do início ao fim (o que combina perfeitamente com a natureza dos poderes dela).

Outra ótima iniciativa foi a criação do Heroes 360 Experience, com falsos sites que criam um "universo expandido" da série. A lista inclui o perfil do Myspace da Claire e da Hana, o blog da Hana, o site sobre o livro escrito por Chandra Suresh, Activating Evolution, o site oficial do Corinthian Casino, o site da empresa Primatech Paper, o site de campanha de Nathan Petrelli e o site da Sociedade (ou Instituto, dependendo da tradução) Yamagato. Mesmo com um episódio por semana, esses "extras" mantiveram os fãs mais hardcore ocupados, mantendo o interesse na série nos diversos fóruns online.

A história

Quando Heroes começou, ninguém sabia pra onde aquilo iria rumar (talvez nem os roteiristas). Um plágio de X-Men, ou de Watchmen, ou um outro seriado cheio de superfreaks ou mistérios sem respostas. Essas eram algumas opções. E, realmente, demorou um certo tempo, mas acredito que Heroes conseguiu achar o seu tom ideal por volta do episódio 5, justamente o que contém a agora famosa mensagem do Hiro do futuro para Peter.

Uma das declarações dadas por Kring em entrevistas dizia respeito à escolha dos poderes dos personagens e dava pistas da real natureza da série. Segundo o criador, os poderes não derivavam da trama, mas do personagem. Dando o exemplo de DL, um personagem que estava preso por um crime que não cometeu, Kring pensou "o que ele faria se pudesse simplesmente sair andando através das paredes da prisão?". Então não foi algo do tipo "como esse poder ajuda a deter a bomba?", mas "que poder combina (mesmo que de forma irônica) com esse personagem?". Isso ajudou a definir Heroes como um drama, não uma série de ação. E isso faz toda a diferença na hora de construir expectativas sobre a série.

Outro ponto revelado por Kring: a série não teria "temporadas", e sim "volumes", para ressaltar a semelhança com uma saga literária. Para o criador, a mitologia desse mundo é mais importante que as tramas e ações passageiras, de forma que o primeiro volume não se chama "Genesis" à toa, ele realmente é apenas o início de uma história muito maior (já se falou num planejamento de 5 anos). O segundo volume, Generations, promete justamente mostrar a história de outras gerações de personagens com "habilidades especiais", inclusive os pais e filhos daqueles que vimos na primeira. Uma conseqüência desse "pensamento macro" é que se a história percorre décadas ou séculos (Kring falou em "milênios", mas isso deve ser exagero dele!), então é natural vermos a morte de personagens "principais". A princípio isso gera um clima estranho e um pouco desagradável de "ninguém está seguro", mas depois acaba dando aquele gostinho de acompanhar uma saga familiar por diversas gerações (e a família Petrelli é forte candidata a fio condutor).

Além dessas explicações off-screen, os próprios personagens deixavam claro que não haveria uma equipe de super-heróis de roupa colorida combatendo o mal (apesar da geração anterior ter feito uma tentativa nessa linha, o que provavelmente será mostrado em "Generations"). Mesmo assim, muita gente esperava algo diferente, o que nos leva ao polêmico episódio 23.

O episódio final

O final da temporada na realidade são os 3 últimos episódios. Cada um corresponde a um ato da narrativa clássica do cinema, o que explica porque no episódio 21 fica aquela sensação de que "não aconteceu nada", afinal aquele é claramente o primeiro ato, em que só se posicionam os personagens e se apresenta a situação. Na verdade, os 3 episódios poderiam ser vistos em seqüência como um único filme de duas horas.

Dito isso, vamos ao terceiro ato, o capítulo final, episódio 23. Chamei de polêmico ali em cima não por algum elemento controverso nele mesmo, mas pela reação do público e da crítica na internet no dia seguinte à sua exibição. Inicialmente, não entendi o motivo da decepção, já que adorei o episódio (apesar de algumas falhas visíveis, é verdade). Acabei buscando a explicação em dois filmes.

Corpo Fechado, a péssima tradução de Unbreakable, é o filme mais incompreendido de M. Night Shayamalan. O filme é uma grande homenagem aos quadrinhos de super-herói disfarçado de "suspense de ficção científica", na falta de um termo melhor. Mas o grande público (e alguns críticos!) quiseram ver nele um "suspense/terror sobrenatural", tendo como referência óbvia o filme anterior de Shayamalan, Sexto Sentido. Nada mostrado em Unbreakable, entretanto, justificava essa interpretação. Ou, falando de modo mais simples, as pessoas estavam procurando cabelo em ovo.

X-Men 3 é uma bosta! Lamento se você que está lendo gostou do filme, mas isso não está em discussão. Para o meu argumento aqui, X-Men 3 é um filme ruim a priori. Em relação aos filmes anteriores, a obra simplesmente apresenta outro clima, outro mundo, outra visão do conceito de "X-Men". Mas o fato é, muita gente (incluindo leitores de quadrinhos) adorou o filme. Quando perguntei o motivo, as respostas eram sempre variações de 3 pontos: o filme "diverte", "tem muita porrada" e "tem muitos efeitos especiais". Ou seja, o grau de pipoquice supera a necessidade de coerência da obra (seja com a direção, com o roteiro ou com os filmes anteriores).

Esses dois fenômenos contribuíram para a má recepção do season finale. A "Síndrome de Unbreakable" fez os espectadores imaginarem um final de natureza diferente do que a própria série indicava. A equipe de criação até fez uma episódio de som e fúria (o episódio 20), inclusive com referencia a "Dias de um Futuro Esquecido", mas foi visivelmente um tipo de "what if", com um ritmo bem diferente do resto da série.

Já a "Síndrome de X-Men 3" afetou a expectativa do público, que queria que os Superamiguinhos se unissem contra o supervilão malvado, resultando em muita porrada, diversão, efeitos especiais e frases de efeito. Ainda bem que a síndrome não atingiu os roteiristas de Heroes (o mesmo não pode ser dito de Homem-Aranha 3, infelizmente). Se numa série como Smallville essa resolução até seria bem-vinda, o mesmo não pode ser dito sobre Heroes, um drama centrado nos personagens.

Muito foi dito sobre as possíveis maneiras de evitar a explosão além da que foi mostrada. Entretanto, em Heroes os roteiristas às vezes abrem mão do caminho mais lógico/simples/eficaz se isso render uma cena dramaticamente mais interessante. Isso geralmente resulta em um ato surpreendente, mas que ainda assim parece inevitável depois que acontece (algo que também acontece em Unbreakable). O final do "Volume Um", em muitos momentos, fecha caminhos abertos no primeiro episódio, caminhos que pareciam incertos e que agora parecem que eram óbvios desde o início. É impossível tudo o que foi dito sobre/por Nathan e tudo o que ele fez durante a série não ser visto de outra forma agora.

Aliás, as diversas leituras de cada cena conforme ganhamos mais informações sobre os personagens são sensacionais. Isso e o fato de ser uma obra que entrega o que prometeu no início (ao contrário de outras que só enrolam) fazem de Heroes uma das melhores experiências seriadas da cultura pop atualmente (mesmo competindo com HQs). Já estou guardando dinheiro pra quando sair o DVD.

Matéria retirada do blog Área Azul . (Contribuição gentilíssima do querido e amado JP Cruz))

minimodomundo@gmail.com

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