As datas comemorativas devem ter um porquê. Memórias heróicas, exemplos, totens, redefinição de caminhos, paradigmas. Há 35 anos, pelo menos, existe um fato que o brasil (com minúscula por merecimento) deveria lembrar constantemente em 2007. Onde colhemos informações sobre namoros de celebridades, como emagrecer 20 kilos em um dia tomando sopa de alfafa, como capturar seu homem na cama, incestuosos artigos opinativos anti-chavez, anti-nada, deveriam estar fotos-sequências, entrevistas, áudios, revelações , todo o arsenal hipertextual da Internet em favor de um dos mais revolucionários grupos culturais da história do país.
Em 1972, Milton Nascimento, Lô Borges, Beto Guedes, Flávio Venturini, Wagner Tiso, Robertinho Silva, Fernando Brant, Ronaldo Bastos, Vermelho, Márcio Borges, Toninho Horta, entre outros, lançavam o disco Clube da Esquina. O nome era uma referência ao que não eram. Não eram grupo, seita, organização. Nada disso. Representavam a pura e desavergonhada arte do estar junto, de forma caótica, nem sempre programada, em uma tarde qualquer de Minas. Se juntaram, cantaram e revelaram suas genialidades à base de batida de limão.
Esse pequeno e desinteressante texto não é para falarmos da história deles, nem para escrever um recadinho post-it à memória coletiva. O que queremos abordar é que , fora alguns blogs de trincheira, sites alternativos, muito bem escondidos no infinito de informações do Googleworld, quase ninguém está comentando essa marca. Nem a grandeza dela. O Clube da Esquina é revolucionário, ponto. Não teve o mesmo apelo do Tropicalismo, os mesmos rebolados de Ney, nem a harmonia de música e estilo de vida carioca praiana da Bossa Nova. Não teve impacto imagético ou político. Em uma época de contestações à ditadura , em pleno centro da Família, Tradição e Propriedade mineiras se afundaram no homem, na liberdade e na arte. Suas letras falavam disso e suas músicas eram um híbrido nunca visto antes (e até hoje) entre o rock progressivo, sons andinos, brasilidade e Beatles. O Clube foi um rio que passou e não foi notado. Nem o é atualmente. Poucos jovens o conhecem e, quando escutam algumas músicas , de autores separadamente como o Milton, não o associam como um "movimento" único, embora heterogêneo, de pesquisa musical riquíssima, de busca por uma sonoridade mesclada, por letras de cunho humanista e libertário.
Reforçando: o Clube da Esquina trouxe um novo tipo de som e letra à música mundial, mas quase ninguém se importa. Talvez tenham sido considerados pouco brasileiros nos arranjos com influencia andina, no tom latinoamericano das milongas, numa atitude política apolítica como em San Vicente (Estava em san vicente / As mulheres e os homens / Coração americano / Com sabor de vidro e corte). Ou na juventude filosófica ao falar de liberdade e devir sem engrossarem a voz roqueira, como em “Nada será como Antes” (Eu já to com o pé nessa estrada / Qualquer dia a gente se vê / Sei que nada será como antes / amanhã). Quem sabe pelo amor ingênuo, mas com arranjo imprevisível e inconstante, do piano majestoso de Wagner Tiso em “Um Girassol da cor do seu cabelo” (Se eu cantar não chore não / É só poesia / Eu só preciso ter você / Por mais um dia / Ainda gosto de dançar / Bom dia / Como vai você?). Não gostaram, de repente, da dor de cotovelo do samba qualquercoisa , onde Milton sofre um falsete impossível de se atingir por vozes normais , na técnica e no sentimento de “Me deixa em Paz” (Se você não me queria / Não devia me procurar / Não devia me iludir / Nem deixar eu me apaixonar). Ou na genialidade instantânea, da composição mais rápida de Milton e Lô, que desaguou na canção mais linda e ainda instrumental que era Clube da Esquina N.02 (depois ganhou letra à altura de Márcio Borges por “ordem” de Nana Caymmi). Ou na raiva quase quieta de “Trem de Doido”, com direito a solo distorcido, quase desafinado e com um efeito ruidoso de Beto Guedes (Noite azul pedra e chão / Amigos num hotel / Muito além do céu / Nada a temer, nada a conquistar). Motivos não faltaram para a intelectualidade, juventude e mídia nacionais.
O Clube da Esquina é livre demais. É preciso ser mais humano para ouvi-los. Quem sabe nas próximas gerações. Os sonhos nasceram há 35 anos, não envelheceram e ainda podem ser tudo o que queriam ser. Eles já nos convidaram, que o país saiba aceitar: Venha até a esquina / Você não conhece o futuro / Que eu tenho nas mãos. Parabéns, Clube da Esquina.
Em 1972, Milton Nascimento, Lô Borges, Beto Guedes, Flávio Venturini, Wagner Tiso, Robertinho Silva, Fernando Brant, Ronaldo Bastos, Vermelho, Márcio Borges, Toninho Horta, entre outros, lançavam o disco Clube da Esquina. O nome era uma referência ao que não eram. Não eram grupo, seita, organização. Nada disso. Representavam a pura e desavergonhada arte do estar junto, de forma caótica, nem sempre programada, em uma tarde qualquer de Minas. Se juntaram, cantaram e revelaram suas genialidades à base de batida de limão.
Esse pequeno e desinteressante texto não é para falarmos da história deles, nem para escrever um recadinho post-it à memória coletiva. O que queremos abordar é que , fora alguns blogs de trincheira, sites alternativos, muito bem escondidos no infinito de informações do Googleworld, quase ninguém está comentando essa marca. Nem a grandeza dela. O Clube da Esquina é revolucionário, ponto. Não teve o mesmo apelo do Tropicalismo, os mesmos rebolados de Ney, nem a harmonia de música e estilo de vida carioca praiana da Bossa Nova. Não teve impacto imagético ou político. Em uma época de contestações à ditadura , em pleno centro da Família, Tradição e Propriedade mineiras se afundaram no homem, na liberdade e na arte. Suas letras falavam disso e suas músicas eram um híbrido nunca visto antes (e até hoje) entre o rock progressivo, sons andinos, brasilidade e Beatles. O Clube foi um rio que passou e não foi notado. Nem o é atualmente. Poucos jovens o conhecem e, quando escutam algumas músicas , de autores separadamente como o Milton, não o associam como um "movimento" único, embora heterogêneo, de pesquisa musical riquíssima, de busca por uma sonoridade mesclada, por letras de cunho humanista e libertário.
Reforçando: o Clube da Esquina trouxe um novo tipo de som e letra à música mundial, mas quase ninguém se importa. Talvez tenham sido considerados pouco brasileiros nos arranjos com influencia andina, no tom latinoamericano das milongas, numa atitude política apolítica como em San Vicente (Estava em san vicente / As mulheres e os homens / Coração americano / Com sabor de vidro e corte). Ou na juventude filosófica ao falar de liberdade e devir sem engrossarem a voz roqueira, como em “Nada será como Antes” (Eu já to com o pé nessa estrada / Qualquer dia a gente se vê / Sei que nada será como antes / amanhã). Quem sabe pelo amor ingênuo, mas com arranjo imprevisível e inconstante, do piano majestoso de Wagner Tiso em “Um Girassol da cor do seu cabelo” (Se eu cantar não chore não / É só poesia / Eu só preciso ter você / Por mais um dia / Ainda gosto de dançar / Bom dia / Como vai você?). Não gostaram, de repente, da dor de cotovelo do samba qualquercoisa , onde Milton sofre um falsete impossível de se atingir por vozes normais , na técnica e no sentimento de “Me deixa em Paz” (Se você não me queria / Não devia me procurar / Não devia me iludir / Nem deixar eu me apaixonar). Ou na genialidade instantânea, da composição mais rápida de Milton e Lô, que desaguou na canção mais linda e ainda instrumental que era Clube da Esquina N.02 (depois ganhou letra à altura de Márcio Borges por “ordem” de Nana Caymmi). Ou na raiva quase quieta de “Trem de Doido”, com direito a solo distorcido, quase desafinado e com um efeito ruidoso de Beto Guedes (Noite azul pedra e chão / Amigos num hotel / Muito além do céu / Nada a temer, nada a conquistar). Motivos não faltaram para a intelectualidade, juventude e mídia nacionais.
O Clube da Esquina é livre demais. É preciso ser mais humano para ouvi-los. Quem sabe nas próximas gerações. Os sonhos nasceram há 35 anos, não envelheceram e ainda podem ser tudo o que queriam ser. Eles já nos convidaram, que o país saiba aceitar: Venha até a esquina / Você não conhece o futuro / Que eu tenho nas mãos. Parabéns, Clube da Esquina.
2 comentários:
Correndo o risco de desagradar até o autor do post, acho que iniciativas como o Clube da Esquina deveriam ser valorizadas/festejadas/homenageadas. Em vez disso, fica todo mundo babando o ovo do Chico Buarque.
Estava na internet procurando exatamente sobre o Clube da Esquina e vim parar neste blog. Muito bom esse texto! Sou de Minas e fico raivoso ao saber que o brasileiro não conhece parte da história de nossa cultura. CLUBE DA ESQUINA PRA SEMPRE!
ABS
C.
Postar um comentário