Artigo do Clarin sobre o referendo na Bolívia. Gostei muito e traduzi porcamente, mas de coração. Mais um dado para a teoria conspiratória da invasão alienígena yanqui na América do Sul, o NEW NEW NEW DEAL FUCK YOU CABECITAS NEGRAS.
por Oscar Raul Cardoso
Não há melhor maneira de lidar com uma crise que entender, de modo cabal , o que a ocasiona. Esse é o caso da que está se acontecendo na Bolívia e que atingirá outro marco amanhã, quando a população decidirá se deseja revogar o mandato do presidente Evo Morales e de oito dos nove prefeitos (governadores) dos estados do país.
Se olharmos somente para as ordens ensurdecedoras e fechadas do oficialismo e a oposição, além das repetitivas notícias jornalísticas , seríamos levados a acreditar que se trata de uma disputa pela riqueza básica (petróleo, gás natural, pontencial agropecuário) do país, cuja maior parte é acumulada em quatro de seus estados (Santa Cruz, Beni, Pando e Tarija), ou pelos conteúdos da reforma constitucional ou então por uma luta que busca opor uma dose de federalismo a um sistema nacional ferreamente centralizado, ou ainda a busca de uma definição final do “eterno combate” entra a esquerda e a direita.
O problemas destes enunciados é que tentam definir a totalidade de um problema que é muito mais complexo e que tem muito mais fatores. Por exemplo, o conteúdo racista que apresenta: sabe-se que um importante setor da sociedade boliviana (não só numericamente, mas pelos meios que historicamente vem monopolizando) não pode fazer as pazes com o triunfo indígena – Morales – nas eleições presidenciais de dezembro de 2005 e com a primeira maioria absoluta da história institucional do país.
Existe também uma dimensão maior neste problema, que atravessa as fronteiras do país e que a coloca sob uma perspectiva que pode ser rastreada no resto da região latinoamericana. Trata-se do árduo processo de reformular o contrato social de suas democracias, permitindo a inclusão de setores esquecidos pela modernização das últimas décadas, através da redistribuição de ingressos.
Uma redistribuição que, por mais que a imaginemos tranquila, obriga aos que ganharam bastante dinheiro em um passado recente, a se conformarem com um pouco menos daqui pra frente. Ninguém parece querer abordar esta face do problema de modo franco, nem na Bolívia nem em outros lugares. Quatro meses de conflito entre o Governo Nacional e o campo, na Argentina, tiveram este denominador comum. O mesmo pode ser visto, assim que os nervos se acalmarem , no debate dosmético venezuelano pelo governo de Hugo Chávez ou na raiz da resistência da oposição ao projeto de reforma constitucional de Rafael Correa, no Equador.
O desafio a Morales está justificado, segundo seus críticos mais implacáveis, na necessidade de evitar a construção “de um modelo socialista”, que debilita a vigência da lei, ameaça a propriedade e torna impossível a chegada do investimento internacional. Mas desafia também a um governo que inseriu a mais de dois milhões de crianças e idosos nos planos de assistência social em um país onde a pobreza ainda faz parte do cotidiano de 60 por cento de seus habitantes.
Morales também vem realizando uma reestruturação dos contratos com as empresas petrolíferas internacionais que operam no país, o que permitiu ao Estado participar com uma cota maior nos lucros e que tem mantido o orçamento nacional longe do vermelho durante os últmos dois anos, algo que há pouco tempo poderia parecer um conto-de-fadas na Bolívia.
A disputa pela distribuição da riqueza sempre precisa, para ser resolvida, de uma definição prévia: saber quem manda. E como este interrogante básico ainda não foi revelado na Bolívia, não será este referendo revogatório que dará a resposta necessária. Não parece haver um trunfo na manga – de qualquer dos dois lados que estão competindo – tão claro que não deixe margem para a continuidade do conflito.
As pesquisas sobre o que as urnas dirão amanhã, antecipam que Morales, muito possivelmente, obtenha os votos necessários para manter seu governo (assim como a seus prefeitos). Por causa dos muitas vezes inexplicáveis labirintos legais do país, o presidente precisa de 46, 3 por cento dos votos (a mesma porcentagem que votou contra ele em 2005) enquanto que os prefeitos vão precisar de 50 por centro para conseguir a continuidade. Mas nada parece prever uma vitória como a registrada em 2005.
Vários dos prefeitos ameaçados por um resultado eleitoral negativo, disseram que simplesmente vão ignorá-lo caso aconteça , fazendo ameaças nem um pouco veladas. Manfredo Reyes Villa, um ex-militar que atualmente governa Cochabamba , é um desses prefeitos e prometeu a Morales: “se quiserem guerra, terão guerra”.
Há algo particular na história da Bolívia. Desde 1825, ano de sua independência, a violência recorreu seu território em muitas oportunidades, colocando-a cada vez mais à beira do precipício histórico. Apesar disso, sempre se evitou esse salto ao vazio – por exemplo, uma guerra civil – alguns se perguntam se a inércia da crise fará que, desta vez, seja impossível deter-se na beirada.