domingo, 17 de agosto de 2008
Quem fala, discorda.
Se arma na Argentina uma proliferação interessada de contestações ao modelo Kirchnerista. E é claro que, como se trata de um governo nacional da importância de um país como a Argentina, as bocas contestadoras são muitas, de muitos níveis e origens, assim como as bocas e mentes que o defendem.
O que mais me chamou a atenção nos últimos meses foi um setor da sociedade, um ator social (termo na moda) que foi (tempo passado, o corpo cansa e a resignação mora) vítima de meus ataques de ira impotentes no Brasil: a intelectualidade.
Ser intelectual, no Brasil, é sentar no Bar Jobi , no Leblon, sempre o Leblon, e cantar louvores a atos passados e a incapacidade de adaptação a pseudo-atos presentes e a não-atos futuros. Ou usar tênis vermelho, ver e comentar filmes iranianos, saber de pobreza num disco de Candeia num loft-soft-apê-modern-decor numa zona privilegiada. Ou fazer turismo com o dinheiro do Cnpq.
Aqui, pelo menos, a inteligentsia se organizou e lançou o movimento Cartas Abiertas. Trata-se de reuniões bimensais e elaboração de propostas em várias áreas feitas por educadores, médicos, artistas, comunicadores, filósofos e vamos botar água no feijão. Tudo isso surgiu com a questão do campo, do tremelique das bases sociais, da exposição dos defeitos democráticos argentinos e da real necessidade de se pensar em conjunto o quebra-cabeça.
Acontece que nem tudo é maravilha nesta história. Boa demais a iniciativa desses intelectuais, louvável a idéia do debate de opiniões, melhor ainda a redação de cartas com propostas para o governo, mas há que se ter cuidado e extrema transparência ao dar papel a esses atores.
Beatriz Sarlo, uma comunicóloga genial, voz quase sempre consciente desse mundo pós-moderno, foi uma que "denunciou" (e por isso tacaram 20 pedras em seu cabelo meio laqueado) algo que se deve vigiar: esses intelectuais, em sua maioria, são kirchneristas. E entraram na onda golpista que a Cristina quis vender. Conhecidos, respeitados, validados, mas com tendências políticas claras e história caminhada no reconhecimento dos Kirchner. Prova disso é que essas Cartas, embora leitura obrigatória para se entender bem alguns movimentos da América Latina atual, são documentos que apoiam bastante ao governo do casal.
Há pontos de concordância e discordância com relação a essas cartas. Isso é natural e necessário. O perigo (olho no lanceee!) é que o exercício democrático do debate leve para uma defesa egóica e totalitarista da opinião. "Querer estar certo" foi o país onde Napoleão perdeu a guerra. Nestas cartas, há trechos altamente pró-K (e sem a isenção crítica mínima) e há trechos minunciosos e críticos que traçam um perfil ainda pouco explorado e perigosos da nova direita latinoamericana.
Há que agradecer as mãos ao céu e bater no peito: a intelectualidade levantou a bunda do café e está fazendo algo de concreto pelo país.
Enfim, essa proliferação interessada de contestações não pode ser vista como algo ruim, como sempre se quer ver o que se contesta. Parece que a economia neo-liberal e essas palavras em latim da bíblia da economia de especulações, reativou uma idéia progressista e moderna de mundo. Se não houver ordem, a bolsa cai. É a volta dos professores que dão fórmulas para "fazer uma boa poesia" (clássica cena de Sociedade dos Poetas Mortos). É a volta dos médicos pré-psicanalistas que vêem a revolta e o olhar alternativo como a presença do diabo. É uma ameaça quase que divina de reis absolutistas e de um clero que não quer alfabetizar seus crentes na própria religião (como já vimos na história do mundo).
Enfim, passada essa análise de um quarto de tijela, o que quero dizer é que a Argentina está quebrando o pau no debate. E, como diria minha avó, brigar é saudável pra criança. Mas atenção para o empresariado histórico e reacionário nacional (e por que não dizer latinoamericano ?) que, ao ver um governo abalado e uma inflação crescendo, adora plantear o apocalipse e para uma mídia que, em grande parte, pertence a esse empresariado. Atenção com a suposta vitória do campo e suas diversas facetas, como o campo bilionário agro-exportador e o charcarero ferrado que não está vendo a coisa melhorar. Atenção para o racha em um setor fundamental pra governabilidade argentina (ainda mais essa com o vulto do Peron babando cada movimento) que é o dos sindicatos (que estão revivendo uma briga muito parecida com a que surgiu na década de 20 , na época do radicalismo , aqui e que criou diversas forças sindicais contrárias. É basicamente a disputa entre quem quer ficar perto do governo para receber vantagens e andar com a roda e quem quer ficar isento e ter liberdade para questioná-lo quando quiser). Atenção para o hermetismo dos K que, mesmo com consultorias de imagens que deram a idéia pra Susana Vieira dar mais entrevistas, se fecham em seu quarto de forma bem pouco democrática e transparente (são viciados em sexo, só pode ser).
Vai abrindo aí que tem caldo....
Análise irônica da Carta Abierta 1.
Carta 1
Carta 2
Carta 3
Pré-carta 4
Entrevista Beatriz Sarlo
Um país rebelde e em estado de assembéia
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