quinta-feira, 15 de maio de 2008

Um moleque do Brasil - Luiz Galvão

Uma coisa que a música brasileira tem que se orgulhar é, além de ter músicos geniais, ter letritas igualmente grandes. Um deles é o novo já velho baiano e vascaíno Luiz Galvão. Vindo de Juazeiro, amigo e biógrafo de João Gilberto, fundador, líder e letrista dos Novos Baianos, ainda vejo sua poesia pouco estudada. O termo é esse: estudada. Principalmente na sua leitura de uma identidade brasileira e musical brasileira.

A dificuldade do letrista está em, além de fazer algo literariamente bom, encaixar com a sonoridade da música, o conceito de quem canta, o ar de quem toca. É manejar uma guitarra com as palavras, sincopar os tambores nos acentos. Luiz Galvão fez com o que os Novos Baianos fosse “revolucionário e evolucionário”, em suas próprias palavras. E seu texto não se via só nas canções. Os encartes dos discos eram pequenas obras literárias, manifestos de uma criatividade sem tamanho.

Difícil delinear em poucas palavras e espaço o que ele quis dizer. Mais fácil é admirar as rimas que faziam um Brasil tropical , futurista, malandro, de carnaval e de desapego. Ou seja, mostrava um lado quase espiritual dessa ambiência solta, apolitica, nacional. Se as guitarras furiosas de Gil e a feminilidade crítica de Caetano vinham quebrando o pau na sociedade e no “mesmismo”, os Novos Baianos musicalmente (com a grande ajuda de Pepeu Gomes) recriavam uma identidade musical tradicional brasileira. E Luiz Galvão recriava o mesmo ser humano brasileiro , da festa, da alegria, dizendo coisas como “ Minha carne é de carnaval / Meu coração é igual”.
Ou remetendo a imagens idílicas da Bahia travestida de um alto teor espiritual como “Com tanto cabeludo, com tanto pôr-do-sol / Bem cabia uma profecia: até o ano 2000, / O Farol além do pôr-do-sol / será o pôr-do-som / Onde verás uma realejo, onde verás um violão”.
Suavizando a dificuldade, os percalços de um brasileiro com “Ao meus olhos bola, rua, campo e sigo jogando / porque eu sei o que sofro / e me rebolo para continuar menino como a rua / que continua uma pelada”. Antecipou a onda menina-lapa-livre-leve-e-solta-na-sociedade-moderna com A Menina Dança (“E dentro da menina / A menina dança /E se você fecha o olho / A menina ainda dança / Dentro da menina / Ainda dança”.).

É curioso porque esse suposto regionalismo vem acompanhado de um rock furioso dos arranjos.
É a suavidade, o modernismo da década de 70 e a fragmentação de mil personalidades de um homem ideal (um homem Novo Baiano que o brasileiro parece ter copiado e comprado) das letras e a veia pesada das guitarras, como se houvesse um diálogo meio zombeteiro , como se o que tivesse sendo dito fosse apenas ironia. Como se não importasse o Brasil, o brasileiro. E o ideal era que tudo desse nessa Bahia, que é mais o lugar platónico que o estado. Luiz Galvão conseguiu mostrar a ideia (mais que a explicação) de uma maneira genial e fundamental até para as futuras gerações pensarem o que somos. E agirem como tal. Se é complexo, se é cantado, meio cordel, meio Caymmi, meio hippie, gramático ou carnaval, é Galvão.

Em sua definição de si mesmo: “E pela lei natural dos encontros, eu deixo e recebo um tanto. E passo aos olhos nus ou vestidos de lunetas / Passado, presente, participo sendo o mistério do planeta / (..) No que sigo o meu caminho e no ar que fez e assistiu. Abra um parênteses, não esqueça que independente disso eu não passo de um malandro. De um moleque do Brasil, que peço e dou esmolas / Mas ando e penso sempre com mais de um, por isso ninguém vê minha sacola”.

Galvao e Joao






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