sexta-feira, 16 de maio de 2008

CANDEIA



O Youtube poderia ser uma ferramente bem eficaz de educacao. De vez em quando, acha-se vídeos muito bons. Melhor quando sao raridades.E melhor ainda quando são raridades de grandes compositores.

O vídeo acima é do filme Partido Alto, do diretor Leon Hirszman, de 82. Mostra um flamante Candeia (uma mistura de B Negao e Aílton Graca) , recuperado de sua depressao pós-paraplegia, explicando os tipos de partido e a maneira de sambar alguns. Foi gravado um pouco antes de sua morte em 78. Detalhe para o prato , para o "amoladinho" (difícilimo de dançar), para o fim da tarde no morro, para as vozes de afinacao natural das tias e para a presenca do ilustre e esquecido atabaque na roda.

Candeia, além dos geniais atributos musicais , foi o que podemos dizer de um "político" do samba. Na boa acepção do termo. Defendeu o samba como resistência cultural, como manifestação popular, totalmente anti-carnaval das escolas de samba (que, a seu ver, já haviam esquecido as bases, a luta e a história do gênero para virarem tipo exportação. Isso, na década de 70.).

Fundou o Grêmio Recreativo de Arte Negra e Escola de Samba Quilombo, que defendia a valorização do negro, os segmentos tradicionais das escolas como alas das baianas , compasso das baterias mais lentos etc. "Era uma escola de samba, não de Carnaval" ou "aqui todos podem colaborar, ninguém imperar", antecipando o futuro das escolas como conceito mulata-nua e coronelismo . Esse caminho de Candeia está bem descrito no livro de Nei Lopes, Sambeabá.

É uma discussão profunda de quem vive e estuda o samba. É válido vender a alma para manter vivo sua história? Até que ponto o lado comercial é sobrevivência ou é máfia? De quem é o carnaval hoje em dia? O que foi feito com quem ralou os pés para deixá-lo vivo? Eu, até algum tempo atrás, defendia a suposta organização política e econômica do carnaval como forma de sobreviver a um mundo mediático, de pressões fortes financeiras. Mas um fato mudou completamente minha visão. E aí vi que Candeira estava certo.

Carnaval de 2006, era o último dos dos tres anos que passei na Avenida cobrindo os desfiles. Um carro da Portela quebra na concentração e abre-se um buraco imenso na passagem da Escola (o carro que levava a velha guarda). O desespero é total, os ponto perdidos seriam muitos, afetaria um monte de quesitos já que, além do clarão, teria que passar correndo, teria uma alegoria a menos e o enredo ficaria capangamente contado. A velha guarda chorava, mesmo. E muito. Alguns amaldiçoavam a diretoria, outros se afundavam no desespero de que a Portela acabaria. Um misto de vergonha e sensação de impotência daqueles que viviam realmente o cotidiano da agremiação. Estávamos eu e Luana Dias (apesar de dizer que não, é uma das maiores jornalistas desse meio, que conhece com profundidade tanto a história gloriosa quanto o presente controverso) no setor 1 presenciando o momento em que Monarco passa sem forças, abatido, sem conseguir tirar os olhos do chão. Solitário, parado. Neste mesmo instante, em contraposição à imagem de Monerco, no auge da decadencia de uma agremiação que é braço e perna do samba, o povo do Setor 1, alheio a tudo e a todos, fazia festa, gritava e esperniava para os artistas da Globo que , igualmente alheios a tudo que passava, de dentro do aquário da emissora, mandavam beijos, sambavam, cambalhoteavam e davam entrevistas com a camisa da Portela dizendo que amavam a Escola e que torciam para ela desde pequenos. Naquele momento eu entendi mais do que nunca que o Carnaval havia acabado. Era um teatro turístico onde os negros se amontoavam nos Bob's espalhados pela avenida e os gringos se assanhavam com a nossa carne.

Enfim, fato é que 2008 é um ano de lembranças para o samba. É aniversário redondo das mortes de Candeia, Jovelina (os dois em novembro ) e do nascer de Paulinho da Viola (já referido no blog).

Que essa história seja realmente vista como patrimônio brasileiro, mas como história e vivências, não como catálogos da rio tur para turistas desavisados. Fato é que estou cada vez mais como Elton Medeiros descreve em Sem Ilusão (música crítica a esse carnaval comercial):

No carnaval não vou mais sair fingindo
que passo a minha vida inteira a cantar
eu vou me divertir, na certa eu vou sambar
mas dessa vez a ilusão não vai me pegar

No carnaval eu sempre saí sorrindo
me divertindo só pra desabafar
três dias pra sorrir, um ano pra chorar
mas dessa vez a ilusão não vai me pegar


3 comentários:

Ciana Lago disse...

Esse vídeo é uma aulinha linda!
E eu quero um vestido igual aos das tias (já que não dá pra ter o mesmo samba no pé)!!

Unknown disse...

Meu filho!
Fiquei emocionadíssima com a homenagem neste bonito texto! realmente, nós vivemos um momento que vai ficar marcado pra sempre nas nossas mentes e na história da Passarela do Samba...
Mesmo nesta era comercial, ainda acredito que vai passar pela avenida o samba popular...
Candeia vive na nossa voz, nos nosso pensamentos. Viva a memória oral da cultura brasileira!
Viva o Youtube e sua modernidade democrática que imortaliza na internet, neste mundo em que tudo se perde em alguns segundos.

beijos saudosos!
(PS: Fui a Machu Picchu e pensei, meu irmão!)
Luana

Unknown disse...

Meu filho!
Fiquei emocionadíssima com a homenagem neste bonito texto! realmente, nós vivemos um momento que vai ficar marcado pra sempre nas nossas mentes e na história da Passarela do Samba...
Mesmo nesta era comercial, ainda acredito que vai passar pela avenida o samba popular...
Candeia vive na nossa voz, nos nosso pensamentos. Viva a memória oral da cultura brasileira!
Viva o Youtube e sua modernidade democrática que imortaliza na internet, neste mundo em que tudo se perde em alguns segundos.

beijos saudosos!
(PS: Fui a Machu Picchu e pensei, meu irmão!)
Luana