sexta-feira, 27 de junho de 2008

Errado é sonhar com o certo, que o certo dá sempre errado.



Ao se falar de samba, muitas vezes a figura de Hermínio Bello de Carvalho fica em segundo plano. Se não é a intelectualidade e a sambalidade do meu Brasil que chama, o povo fica sem saber da importância desse homem. Se Paulinho é a alma, Candeia a memória e Cartola o talento, Hermínio é o coração e as pernas do gênero no país (o samba é tão grande que é só transformando-o em corpo para não nos desbordarmos).

Foi amigo profundo de muitos artistas, os melhores, fez letras geniais, produziu, trouxe nomes fundamentais à tona. No seu extenso hall de parcerias estão monstros como Pixinga, Paulinho da Viola, Elizeth Cardoso, Eltão Medeiros, Nelson Sargento, Cartola e por aí seguiremos. É muito conhecido por seu esforço de juntar a música popular da música erudita (como colocar no mesmo palco a Clementina e o virtuoso violonista Turíbio Santos). Mostrou que a erudição real vem da alma e os rótulos são coisas de dedos presos e gente que não sabe cantar. Enfim, Hermínio é o incansável e flamante batalhador de uma , como dizer, ciência dionísiaca do samba. Mexe com sua história, com seu futuro, com suas composições, compositores e de como anda na sociedade (o samba anda sambando?).

E não é que essa coisa de brógue é democrática, quase comunista? Pois bem, patrocinaram um blog pro Hermínio. Talvez seja um dos melhores na rede. Lá você vai encontrar raridades incríveis, coisas que fazem chorar os gostantes e respirantes da música. Fortunas como fotos do casamento de Cartola e Dona Zica, gravação na casa do cara com Paulinho da Viola e Clementina (essa é incrível!), partituras, letras originais, vídeos e o escambau. É coisa para perder dias e dias.

A cultura não é inacessível. Quase inacessível, no Brasil, é saber aculturar-se.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

"Sashird Lao é vanguarda"







Sashird Lao é um trio frances de jazz que rompe os ouvidos. É a mistura de uma linda vocalista egípcia, com voz imponente e com um sax destruidor, um rapaz que faz baixo vocal de forma perfeita e um virtuose no sopro e na percurssao. Um powertriomodernurbanmixjazzband. Só assim para defini-los.

Mais que defini-los, no entanto, há que escutar o som desses malucos. É forte, azeitado, ousado, tem cheiro e tem cor. Eles estiveram no Brasil há poucos dias e participaram de um festival da Alianca. A mídia, pelo que parece, falou pouco. Oportunidade perdida e incompreensível já que os editores das músicas modernas adoram um grupo estrangeiro, que mistura sons e tem cara de vanguarda (termo roubado de meu amigo Túlio). Mas eles vao além do estereótipo.

No site dos caras, e da senhorita, dá pra escutar algumas músicas (originais e versoes). De qualquer maneira, vao uns vídeos do quase comunista iútubí.

terça-feira, 24 de junho de 2008

CARPINHAS PAZ E AMOR


Notas de um dia interessante sobre os cascudinhos das carpas na Praca de Maio.


  • Clarin e La Nación querem muito criar um clima de tensao e sangue com essa questao do Congreso estar debatendo as rentencoes do campo. É o momento exato e clássico em que o jornalismo tem que respirar e deixar de atropelar palavras e teorias catastróficas. É a hora que tem que dizer para acabar a palhacadinha de certos e errados. De parar de reclamar democracia e fazer por ela. Como disse agora pouco uma congressita: "Me perdoe a emocao com que estou falando (realmente emocionada). Mas temos que separar aqui debate de discurso. Temos que perceber que nao estamos de lados opostos. Isso nao é um Boca e River. Ouco falar em democracia, mas vejo autoritarismo por parte do governo e por nossa parte, ao falar apenas de dinheiro e taxas. A ditadura nao nos tirou a confianca na democracia, mas a confianca de sermos cidadaos". Calei depois dessa.


  • Ninguém deu muita trela, mas foi impagável os manifestantes kirchneristas e pró-campo jogando uma pelada de rugby em frente a Casa Rosada. O esporte do contato físico, da forca, da ascendencia sobre o outro, se reverteu numa forma simbólica e fofinha de dizer que ninguém quer confusao e que a hora é de diálogo. Assim como foi impagável o CQC de ontem colocando o ministro do transporte e o presidente do sindicato dos taxistas, dentro do táxi deste último, discutindo o assunto dos cascudinhos das faixas exclusivas.



  • Fiquei escutando as posicoes no Congresso e acho genial o fato de que ele volte a ser um espaco de real discussao das leis e nao um apendice político do Executivo. Além disso, percebi o cuidado de cada congressita em mostrar serenidade e reconhecerem que a discussao é difícil e que nao adianta brigar. Nas vezes que se excederam, os políticos pediram desculpas. Embora muita coisa se resolva nos bastidores, o "evento" que se tornou o diálogo televisivo, é um avanco democrático inegável. Acontece que, em uma chamada de break e após exposicoes bem calmas dos legisladores, a apresentadora do TN diz: "Vamos para um intervalo e já voltamos para essa tensa e acalorada discussao". Foi como se falasse ao ver dois meninos de 5 anos brigando: "Já voltamos com essa briga perigosa, de músculos exacerbados e golpes titânicos e violentos. Fiquem em suas casas. A polícia está chegando para apartar".



  • Na frente do Congresso, os apoiantes de cada visao ficavam se explicando um para o outro. A reedicao moderna da Ágora grega. Pelo menos como um espaco de debates.



  • Dizem que o pessoal do campo ganhou a pelada do rugby por dois tries a favor.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Argentina campeón, Videla al paredón! (Montoneros)


por Bruno Moreno

Quarta-feira, 25/6/8, completará 30 anos que a Argentina ganhou o título da Copa do Mundo de 1978, disputada no próprio país (o primeiro de dois). A final foi disputada contra a Holanda, no Monumental de Nuñez. Os locais ganharam de 3 a 1 da laranja meio bagaco mecanica . Os gols foram feitos por Marios Kempes (2) e Daniel Bertoni. Mas que chato e previsível, nao?


De jeito nenhum. Foi uma Copa cheia de pendengas. Algumas sérias, outras folcróricas. Vivida e transcorrida em um contexto político difícil. Cheia de histórias mal contadas. E faz aniversário redondo quando o país se ergue e tenta se curar de patologias exacerbadas principalmente neste período. Essa semana o Congresso estará exercendo a democracia. O povo argentino poderia acompanhar o desenrolar dos próprios passos. Passos impedidos por muito tempo por botas militares.

Algumas pantuscadas do Mundial de 78:
  • A Copa estava se passando no ápice de uma ditadura violenta, sangrenta e macabra. Dois anos antes, os militares tinham derrubado a Isabel Perón. O chefe da Junta Militar na época era o General Rafael Videla. A inflação crescia no país, as torturas explodiam, os desaparecidos sumiam aos baldes e a Copa passou a ser estratégica na manutenção da ditadura.


  • Também era o momento crítico de uma discussao filosófica que vinha desde os anos 60 no país: como a Argentina deve jogar? Usando a "La nuestra", da rapidez de toques, dos dribles (chamados de "fantasia"), da beleza do esporte pela beleza ou a que há algum tempo estava sendo usada que era o futebol influenciado pelos ingleses, do corpo, da teórica hombridade, da violência, da defesa (optada porque os gambeteios ainda nao haviam trazido resultado). O técnico era Cesar Menotti, que era defensor férreo do primeiro estilo, que disse que os treinadores anteriores tinham matado o futebol argentino e que ia voltar com a "la nuestra". Foi um paradoxo a sua permanencia porque Menotti era um crítico assumido da ditadura, filiado ao partido comunista e com tendencias à liberdade de expressao (só olhar os cabelões dos jogadores). A Junta se calou, precisava ganhar a Copa para manter o povo feliz. Interessante notar também, em mais uma contradição, como a imprensa na época (totalmente controlada pelos militares), vendiam o pensamento de um "jeito de jogar argentino", apelando ao orgulho de ser argentino. Ou seja, a "la nuestra" como uma forma de criar o simbolismo de união nacional, identidade nacional. Por isso, Menotti foi muitas vezes retratado como um herói, como um novo San Martin ou Belgrano, uma espécie de libertador futebolístico do domínio europeu. Nesse caso, do estilo europeu de ver o esporte, com o resgate da verdadeira alma "criolla". O que é muito debatido ainda, já que muitos dizem que de bonito a Argentina apresentou pouco, jogando muitas partidas na base da força e da raça.

  • Maradona nao foi chamado. Era um jovem que ia fazer 17 anos, que estava arrebentando no campeonato local, mas que era considerado inexperiente para um torneiro de tamanha importância, pelo mesmo Menotti.

  • A Argentina é eternamente acusada de roubo com o jogo contra o Peru, em que precisava vencer por 4 a 0 para conseguir passar para a próxima fase. Após ter empatado em um vergonhoso e medroso 0 a 0 com o Brasil, meteram 6 na seleção peruana. Reza a lenda que houve um acerto entre ditaduras para que os argentinos ganhassem (50 milhões de dólares e toneladas de grãos) e fossem pra final. O Brasil, principal afetado por isso, foi o país que mais reclamou. Não se sabe de nada até hoje. Villa, no final de sua carreira jogou junto com o gênio peruano Teófilo Cubillas, quem jurou que não teve acerto nenhum naquele jogo. Menotti diz que o Peru tinha chegado destruído fisicamente à partida, com jogadores fundamentais que não conseguiam nem andar. Além disso, relembrou que a Argentina, meses antes, tinha dado de 3 lá em Lima.
  • Dizem que alguns jogadores argentinos foram dopados. Na verdade, nunca houve comprovação disso, mas alguns fatos levantam suspeitas. Um deles é que, segundo o historiador David Downing, há relatos de que Kempes e Tarantini continuaram correndo no vestiário de um lado para o outro após a partida contra o Peru por uma hora. E o mais engraçado: o exame de doping realizado era tão, mas tão confiável, que uma mostra de sangue de um jogador argentino demonstrou por A mais B que ele estava, indubitavelmente, "grávido".
  • Se os militares acharam que iam esconder as atrocidades cometidas, o tiro saiu direto no Rio da Plata. Foi durante a Copa que a imprensa internacional ficou sabendo com mais detalhes do que estava acontecendo. Foi durante a Copa, por exemplo, que o mundo ficou sabedo da existência das Madres de Plaza de Mayo e o drama de seus filhos desaparecidos.
  • Segundo o mesmo historiador, o governo ditatorial gastou uma fortuna ao contratar uma empresa de relações públicas para criar o slogan e projetar a imagem da ditadura junto ao povo, ou seja, para aproveitar marketeiramente a ocasião. A empresa se chamava Burson & Masteller e foi responsável, além do slogan do evento "25 milliones jugaremos el Mundial" (bem parecido com o hino "90 milhões em ação" brasileiro), pela desapropriação das villas de emergencia (as villas, ou favelas) e expulsão de seus moradores de zonas onde iam acontecer a competição, assim como a tentativa de esconder os bairros pobres na estrada para Rosário com a criação de um muro, no melhor estilo apartheid, que rodeava as casas humildes.
  • Alguns países, como a Holanda, não queriam jogar a Copa como protesto à violação dos Direitos Humanos no país. Ao receberem a medalha de prata, os holandeses, de fato, se recusaram a cumprimentar os representantes do governo ditatorial. Por outro lado, o capitão da Alemanha, Bert Volts, emuldorou a seguinte pérola: "A Argentina é um país onde reina a ordem. Eu não vi nenhum preso político." Onde ele procurou? No Cafe Tortoni?
  • O Papa Paulo VI abençoou a Copa e o governo ditatorial sanguinário e assassino da Junta Militar de Videla.
  • A final com a Holanda foi uma vingança da Copa anterior, quando a Argentina tomou uma piaba de 4 do Carrosel.
  • Quarta agora o Canal Encuentro vai passar um documentário sobre o Mundial e suas polêmicas. Mundial 78: verdad o mentira?
  • Menotti e alguns jogadores são lembrados como coniventes com a ditadura. É uma discussão. Fato é que o Mundial não teve o impacto esperado na alienação total e irrestrita do argentino. A Guerra das Malvinas teria um papel até mais importante, nesse sentido, anos depois. Mas os jogadores foram responsáveis também pela propaganda da ditadura? A classe média também não comprou essa felicidade? Nós não compramos essa felicidade ao achar que ver e admirar futebol , por seu caráter lúdico e mítico, significa desprender os pés do que é real?
Futbol y Dictadura
Menotti herói
Canal Encuentro

domingo, 22 de junho de 2008

Crisinildos e fatabaldos


Vou fazer algo que não é legal, mas precisa de um peso contra: criticar gente que escreve em jornais. Não conheço quem escreveu, não sou ninguém, mas a série de notícias bombásticas que ogrôbo anunciou sobre a "crise argentina" é preocupante. Primeiro porque o veículo adora essa palavra. Até usei aqui no bróg, mas a trato mais com ironia do que o real significado apocalíptico que evoca. Afinal, se tudo é crise, o que é crise? Um estado de normalidade diante da complexidade do mundo? Se é assim, amor é crise, deus é crise, dunga é crise, falar é crise, calar é crise.

A Argentina passa por um momento difícil sim, como é difícil o momento no paraguai, no Uruguai, no Brasil, na Venezuela, no Suriname, na Micronésia e em Asgard. A questão do campo é complicada? É. Mas, ao meu ver, é mais sintoma de um país que está se erguendo e, com ele, erguendo as sarninhas democráticas, do que um ponto de fla-flu é um ai jesus. O governo gasta muito com subsídios (como foi dito na matéria)? Sim. Mas é preciso examinar os pontos positivos e negativos da intençao, nao colocar isso junto com altas de juros e aumento dos preços e cor da calcinha da Cristina. A primeira matéria, por exemplo, não abordou um tema crucial, que é a questão do INDEC (mede inflaçao, entre outras centimetragens) e sua pouca confiabilidade. Enfim. Joga na mão do Dines que ele sabe o que fazer!

Sei que é pouco espaço, sei que tem editor querendo chamar a calamidade e dar os braços para o terceiro cavaleiro do apocalipse, mas há que ter muita calma nessa hora. Ou vai ficar igual à suposta série de reportagens sobre a ditadura nas favelas feita há alguns meses pelo mesmo coiso e que se tornou um dos maiores crimes jornalísticos e éticos já cometidos (o da ignorância do tentar entender e de que, às vezes, pra entender, é preciso mais que entender).

Esse é o lado bom dos brógs. Além de ser algum exercício inconsciente do ego, além de falar coisinhas bonitas, rabugentices, supérfluos e até gente bonita , jovem e descolada, mostram que pra entender algo não bastam algumas linhas cheias de números e declarações cruzadas. Hoje em dia, uma matéria é feita de dias diferentes e por vários autores, jornalistas ou não. Hoje em dia, uma matéria só se aproxima da faurelúngeca verdade com alguns posts a mais no baú da felicidade e nesse mosaico do mundo feito de pequenos diários.

Ah, alguém aí ainda lembra de algo que tá batendo a porta, que é a crise energética que ia matar a todos os argentinos de frio há alguns meses? E a crise do sexo que agora afeta os argentinos? E a crise do Racing? Existem crises mais importantes...

sexta-feira, 20 de junho de 2008

O campo expulsará a febre?


Cristina é populista. Mas tudo na Argentina nao é o que parece, assim como no Brasil o que se torna, causa a consequencia inversa (reforco policial aumenta a violencia, um maracana lotado faz o local perder, prender políticos corruptos moderniza as táticas de corrupcao). Entao, deve-se dizer que Cristina e Nestor sao populistas. Mais, que o povo argentino precisa de um "populismo controlado e médio". Ou seja, fazem acoes demagógicas populistas, embora sacrifiquem um pouco da máquina estatal por um bom funciomanento social. Ao mesmo tempo que ela promete, numa atitude ridícula, usar o dinheiro das retencoes para construir mais hospitais ( sem estudo, sem ver a real necessidade de quem realmente necessita, sem pensar em investir nos que já existem, num atitude sanguínea e desesperada pra jogar o campo contra a cidade), ela nao abre mao de que o estado tenha braco forte , dê subsídios e impeca o encarecimento do transporte público, por exemplo (com o que concordo plenamente. Aqui o metro tá 90 xilins, o onibus 1 dinheiro e o trem 7o centavos de patacas. Um trabalhador da classe menos favorecida, que geralmente se desloca mais, nao gasta, como no Rio de Janeiro, mil reais pra ir na esquina).

Sao quase peronistas, mas transformam a ditadura em hermetismo institucionalizado. Cristina nao dá conferencias de imprensa porque seu discurso é unilateral. Ela fala pra bilhar e sem contestacoes. Sao quase peronistas, mas nao batem nos sindicatos, se únem a eles. Mas aí, quando o país parece ter readquirido forca e estar, até pouco tempo, de forma tao estável e rumo a Tóquio, a crise do campo vem.

Crises sao boas, minha gente. É com a crise de talento que o Dunga vai embora. É com a crise que nosso corpo expulsa a febre. É com a crise conjugal que mudamos pra melhor nossa relacao com o ser amado. Isso tudo, claro, se nos cuidarmos, se nos abrirmos aos fatos, se dialogarmos, se aceitarmos os erros, se pensarmos com paz. Caso contrário, o Dunga fica pra sempre e inventará um meio-campo feito de zagueiros, a febre se transforma em pneumonia e o casal se mata com tiros de prata. Por isso que a chamada crise do campo veio num momento bom para que o governo e o próprio argentino nao entrassem na roda viva de que foi vítima com os anos. Em países emergentes, os governos fazem tudo para o povo ficar quieto, os ricos mais ricos, os militares mais gordos e os americanos mais americanos. Quando tudo está assim, é que se deve despertar.
Uma das ótimas questoes que essa crise toda vem plantar atrás da orelha alheia é algo que deve ser pensado por todos os países latinoamericanos e que tem a ver com essa forma populista (palavra legal) de governar: a indústria é a riqueza de um país?



A pantuscada comecou quando Cristina aumentou as retencoes e disse que usará esse dinheiro, entre outras coisas, para investir na indústria. Ou seja, dar dinheiro para o povo pobre usar as maos como ferramentas e ter trabalho. Acontece que as pessoas fixaram a atencao no pouco dinheiro que ficaria para a galera do campo (super válido), mas esqueceu de questionar algo muito claro, que é o anacronismo dessa justificativa.
O mundo ainda é baseado na producao? A riqueza de um país e seu desenvolvimento ainda está baseado na indústria? Porque entao os Eua tem um grau de industrializacao de 19% e a Argentina de 25%? Por ser mais industrializada, a Argentina é mais rica que os Eua? E por que os homens mais ricos do mundo, os maiores investimentos feitos, estao na área da comunicacao e informacao?
O populismo de Cristina e de muitos governantes latinoamericanos está agora, além da demagogia, no anacronismo. Pintam um quadro da década de 50, baseando o crescimento de um país no suor manchado de óleo dos trabalhadores somente. Esquecem a virtualizacao das relacoes e do mundo. Falam em um idioma que nao existe mais. E, como em todas as relacoes comerciais através dos anos, vao ficando pra trás, na corrente inversa. Quando deveriam investir na indústria , importam e vendem matéria-prima. Quando deveriam investir na pesquisa tecnológica e de informacao (a verdadeira riqueza hoje produzida), congelam a máquina do estado para a indústria (e sem modernizá-la). E, quando tehm um mercado propício para impor a importancia dos produtos agrícolas, usam a crise da pior forma e se arriscam a perder a oportunidade ideal pra barganhar com os europeus famintos e com petróleo caro.
A classe média que bate panelas e a classe pobre "que nao existe" (ver post anterior) devem ver a crise como um momento de reflexao, nao de guerra e desespero. Devem parar de usar as acoes populistas quando bem lhe convém e perceber que esse peronismo incrustado em cada pele argentina como uma tatuagem interna e inconsciente, se tornou um cadáver dentro de um corpo que se move com dificuldades.
Caso contrário, o Dunga fica , a febre aumenta e nao haverá mais companhia para dormir de conchinha.

***

Amo o Dunga. De paixao. Como jogador, como campeao, como ídolo. É por isso que acredito que ele deva se preservar um pouco. Carlinhos Violino para técnico da selecao!!


quarta-feira, 18 de junho de 2008

ARGENTINA X ARGENTINA

É dia de Brasil e Argentina. Escrevo atrasado, mas nao importa. Só pra paranbenizar a Fox Sports daqui e o programa Expediente Futbol que, desde segunda, está passando jogos históricos dos dois países. Há algumas coisas geniais:

- Medo argentino em 78: o jogo foi do Brasil. A Argentina nao fez nada de bom e quase que o Roberto Dinamite faz um gol.

- Falcao dá porrada em Maradona: a elegancia falconiana hoje em dia esconde uma das patadas mais bem dadas da Copa de 82. Falcao quase arrancou a perna do ainda incipiente Maradona no meio-campo, logo após Passarela ter quebrado o Zico.

- Falhas do Capacete: Junior, o vovo urubu, na mesma Copa, quase entrega em duas ocasioes um jogo teoricamente fácil. Perdeu duas bolas incríveis na entrada da área. Sorte que o Ramon Diaz viajou.

- Morte ao Muller: nao preciso nem comentar os gols perdidos do suposto atacante em 90. Aliás, vendo friamente, é incrível perceber quantos gols (e quao claros foram) o brasil perdeu.

- Escalacao Tosca: em 90, a escalacao antes do jogo era feita de um modo bizarro. Se colocava um quadrado em vídeo dos jogadores, com o gol atrás deles. É de chorar de rir os movimentos graciosos do bigode do Ricardo Rocha e o Maradona fechando o olho por causa do sol. (Se alguém achar no utube, por favor!)

***

O jogo de hoje tem uma ambiencia interessante. Parecida , mesmo que só um nariz, com as vividas por Peron no meio do século passado. Acontece que, na época, o presidente proibia a selecao argentina de jogar competicoes internacionais "complicadas", com medo de um fiasco nacional e, ao mesmo tempo, uma suposto ambiente negativo para seu governo/ditadura. Além disso, alguns setores futebolísticos tinham pavor que "la nuestra", como era chamado o estilo argentino de jogar, fosse superado (principalmente pelo estilo dos ingleses) e confundisse o orgulho e a identidade do esporte mais importante do país. É claro que os tempos sao outros, é claro que é apenas um jogo da eliminatória, é claro que é contra o Brasil e os deuses ficam se batendo, mas vem numa hora de movimentacao política e economica crucial para os hermanos. É o jogo dividindo espaco com a questao do campo. Cristina ontem lavou as maos, mas o debate continua com forca agora no Congresso. Cristina tem sua aprovacao reduzida a quase nada e nao seria legal mais uma derrota ao orgulho de uma Nacao. Cristina tá fazendo manifestacao na Praca de Maio, um erro estratégico. Todos vao embora da manifestacao pra ver o jogo. E Cristina, como Peron, precisa , mais que nunca, do circenses feliz.

***

Alguns emails elogiaram meu mal-escrito texto sobre o Deus e o Diabo. Pediram mais informacoes. Bem, vou tentar dar é opinioes. E geralmente vazias. Informacao legal eu deixo pro meu amigo Tulio em seu blog Aires Buenos, leitura fundamental pra entender essa cidade e suas sutilezas. Inclusive, parabéns a ele pela criacao do estilo tamborinlazzo, uma onda brasileira e rítmica no panelazzo de jeito gringo de Abasto.

***

Mas preciso dar um pitaco. E é sobre a ausencia da , como chamar, classe pobre urbana portenha. Os panelacos sao da classe média, média-alta (ah, as classes. suponhamos que elas ainda existam). Que estao usando essa questao para reclamarem de outros pontos, principalmente , a meu ver, do hermetismo do governo. Por um lado bom, sao demandas que surgem de um estado democrático, que comeca a azeitar a máquina. Creio que é natural e necessário, se nao fosse vista com a visao bélica de estar certo ou errado dessa classe e do governo. Ponto.

A manifestacao do campo é uma mistura de oligarquias rurais com pequenos e médios produtores, mas gente, povo, basicamente rural. É incrível como a classe menos favorecida de Buenos Aires (a dizer, nesse ponto, centro quase total do país) nao aparece. Alguns motivos para isso? Muitos, inclusive a questao da pobreza merece e terá um texto a parte. Mas como seria formada essa classe urbana portenha? Diferente do Brasil (principalmente do Rio), quando, pela obrigatoriedade do tráfico na pauta, e proximidade das favelas etc, se tem uma delineacao mais clara dos cidadaos que moram em lugares menos favorecidos. Essa faixa da populacao nao tem cara aqui. Ou até tem, mas é geralmente desenhada com preconceito, higienismo e uma visao completamente progressista, a dos "bons selvagens" (como era e ainda é no rio). O governo de acoes populistas diz se movimentar para um povo que é um fantasma. Que nao quase nunca é citado. E, quando o é, é visto como um monte de cartoneiros (recolhem papel, cartolina, lixo e assim ganham o minguado dinheiro), que vêm de lugares distantes da cidade, com a juncao de bolivianos miseráveis e peruanos bandidos (uma classe pobre formada por gente que nao é argentina, vai reclamar leis argentinas?), a gente da villa, que é preguicosa, nao tem educacao , que só sabe cantar cumbia , jogar bola e que é uma mancha na raca quase européia local. Mas nao falam. Ou, se falam, ninguém escuta. Mas que votou na Cristina. É um governo que governa pra quem nao tem voz. E uma classe média que está se transvetindo aos olhos do mundo com a fantasia de povo (ninguém está dizendo que as manifestacoes nao sao necessárias. Pelo contrário, sao aula de democracia e vocacao cidada).

Deus e o Diabo na Terra da Carne


A questão do campo na Argentina é tão forte, tão cheia de sutilezas envolvidas, tão grande por envolver quase todos os aspectos que regem uma sociedade democrática, que mais parece um corpo, quase se movendo com suas próprias emoções. Não sei se é privilégio dos tempos transmodernos, mas é algo complexa e, por isso, impossível de ser vista, assimiliada e criticizada em algumas linhas. Para isso, tentarei, no mais humilde dos entendimentos, falar um pouco a cada semana nesse blog. Até quando for esquecida e voltarem as notícias de assassinatos e pendengas rotineiras.

No entanto, antes da confusão é preciso falar do despontamento de duas figuras argentinas que estão se tornando quase míticas politicamente. Esse é o momento mais claro de ver como se formam esses personagens. E , mesmo caminhando em pontes diametralmente opostas, se encaixam , se alimentam, se transfiguram e resumem muitas questões, atuais e históricas no simples decorrer de suas ações, em si próprios.

Luis Delia e Alfredo de Angeli se parecem fisicamente, mas é só. O primeiro é visto como um defensor ferrenho do "crischnerismo" e das decisoes da presidenta. O segundo, é o homem que leva pra frente o reclamo do campo. O primeiro tem muita história política antes da paralisação do campo. O segundo, apesar de ter feito outras coisas, basicamente começa o estrelato verdadeiramente dito com essa situação.

Delia tem sua origem política nos desígnios de Perón, nas ações populistas e populares que privilegiaram a classe dos trabalhadores. Sua história é basicamente associada a sindicatos, uma suposta luta anti-proletariado, federalista e pró-soberania Argentina. De Angeli é um produtor de soja transgênica, que entrou na atividade sindical rural em meados dos anos 90 e lutou contra os bancos que se apropriavam das terras de pequenos e médios produtores endividados com o difícil período que viviam (ele também no bolo).

Delia, no decorer dos anos, se tornou um profissional único e de extrema força política: o piqueteiro. Consiste em um homem capaz de mobilizar pessoas, com claro apoio governamental, elevar bandeiras, gritar em megafones, e falsificar uma manifestação de alguns indivíduos claramente azeitados de política em uma teórica manifestação popular e espontânea. E, isso, na base da força. Ele tem um histórico de violência e de associações com entidades violentas, conhecidas por defenderem seus "ideais" e bofetearem quem estão contra. Em seu currículo está, além de ter participado em alguns cargos do governo K, a invasão a uma delegacia de polícia no bairro do La Boca (exigiam justiça pela morte de um militante da FTV, Federación Tierra y Vivienda, um conjunto de grêmios de trabalhadores de vários setores e do qual era um dos líderes e atual presidente), invasão das terras de um magnata americano e acusação (que não provou e, por isso, Kirchner pediu pra ele se retirar de seu governo) de que os próprios judeus haviam armado o atentando ao prédio da AMIA Asociación Mutual Israelita Argentina), ocorrido em julho de 94 e que matou a 86 pessoas. Sempre com controvérsia, feridos e tijoladas envolvidas.

De Angeli , por sua vez, começou a despontar na época da crise de Fernando de La Rua, já treinando a modalidade "corte de estradas à distância", sendo um dos participantes ativos desse estilo em Gualeguaychú e, depois da ordem do ex-presidente de descer o pau nas manifestações, foi preso no confronto com policiais. Depois, em 2004, se meteu na luta contra o Uruguai e suas fábicas de celulose do outro lado do rio Gualeguaychú, de novo bloqueando estradas com protestos, dizendo que se tratava de um crime ambiental que afetava (e de fato afetava) fortemente a Argentina e convocando a todos à destruição (literal) das fábricas. Se tornou um dos líderes da Associação Ambiental da província e a justiça uruguaia até começou um processo para prendê-lo. Quando começou o "paro" do campo argentino, sendo Gualeyguachú o centro mais radical do manifesto rural, mas estando perto o suficiente da capital para incomodar, não era de se esperar que o líder dos "chacareros" locais aparecesse como voz quase onipresente do reclamo agropecuário. Pelo outro lado, Delia se consolidava como o líder piquetero dos Kirchner, um dos homens mais ativos do oficialismo, com incrível capacidade de mobilizar sua gente e verba para suas ações. Mas a Cristina estava tranquila e não precisava que a "defendessem nas ruas". Até o paro.

A aparente bagagem de choques e gritaria dos dois é só aparente. Delia é visto como um cara que se meteu com gente barra pesada. É constantemente associado a violência gerada pela incompreensão de diferenças. Fala de democracia, mas bate em quem não concorda. Defende a independência dos trabalhadores, mas se torna um aliado quase canino da oficialidade (dizendo que o kirchnerismo é anti-liberalismo e mostra a presença forte do Estado). Suas polêmicas , por mais que em algumas alguma razão tinha, sempre jogaram contra ele. De Angeli, pelo contrário, é visto como o famoso homem comum argentino, do povo, mais que isso, do campo, que aqui tem a imagem cristalizada como o setor que mais ajudou o país a sair da crise com sua dedicação e produção quase altruístas. Surgiu na luta contra bancos que queria desapropriar a gente da terra, se meteu na legítima luta ambiental por seu país e ajudou a expulsar La Rua da casa, mesmo contra seu último suspiro tirânico de mandar prender.

Delia é um homem grosso, mesmo, que fala atacando a qualquer um, com um toque de mafioso inegável no rosto, o inflamado-violento. De Angeli , embora passional, é o que inflama e chama a luta pela justiça como conceito, não para favorecer tal governo ou tal entidade. Não tem um dente (parece que agora visitou o odonto), cara rasgada de trabalhador mesmo, às vezes engasga ao tentar falar difícil, mas é inegável sua transparente espontaneidade e carisma. Delia vem acusando a imprensa de golpista, protagonizou uma cena dantesca (embora corajosa) ao xingar o que seria um william bonner aqui, em seu próprio programa, ao vivo, no auge da primeira parte da crise e ao vociferar ainda mais contra a empresa dona do Clarin e da TN (mais importantes veículos jornalisticos do país. Um impresso, outro tv) de mentirosa, safada e corrupta. Sua bronca com os meios de comunicação só pioraram nesses dias. Já não sobra pra ninguém. Em suma, ele é odiado pela imprensa. De Angeli , pelo contrário, está de forma ubíqua nos meios, responde a todos com sua cara de bolacha fofinha, não xinga ninguém, claramente fala o que pensa na hora e chama sempre pelo diálogo. Se Delia foi execrado publicamente ao ser pivô de uma agressão , da parte de sua galera da FTV , à população (essa, real) que foi à Praça de Maio no primeiro panelaço/cacerolazzo/buzinaço/assobiazzo da crise, De Angeli quase foi alçado a mártir ao ser preso há poucos dias pela polícia federal em meio a um protesto pacífico (num erro grosseiro de tática política do governo).

Embora haja muita coisa por trás dessa construção da imagem de um homem do campo de De Angeli, a conjuntura e o contraste com as ações políticas e armadas de Delia e Kirchners, apequenam possíveis contradições e articulações da Sociedade Rural e dele mesmo. Até deixa em menor grau os supostos atos violentos cometidos nas estradas contra policiais. Para o povo, é um pai de família que quer acabar com essa pendenga e voltar a capinar a sua sojinha em tranquilidade. Como disse um sociólogo essa semana na televisão, há um ar de guerra nos discursos. Parece que um lado tem que vencer o outro. E numa democracia isso não pode acontecer. Para exemplificar a separação desses dois personagens nesse ponto exato, Delia cria um neologismo transmoderno ao falar de "golpe econômico" e "defender o governo nas ruas", em tom claramente bélico, como se a discordância fosse intimidação. No mesmo dia, De Angelis, em entrevista longa a C5N, chama a senhora presidenta pelo nome, faz cara de cansado e diz que só quer o melhor para o país, que está todo ouvidos, que não quer nada com a Casa Rosada e que só precisa voltar a plantar suas coisas.

Para finalizar, não sei o que pensa os K sobre a presença de Delia em seus braços governistas. Ainda mais nessa época de confrontos e de tremendulência internacional. Fato é que ele traz mais pólvora e está se convertendo numa espécie de inimigo tanto para o povo, representado pelo campo, quanto pela classe média que apanhou de seus militantes e o vê como uma figura quase demoníaca e intransigente.


Cris "hermosa" Kirchner vai levar a patota toda pro congresso nacional, ou seja, a decisão sobre as taxas de retenção à produção agrícola , na mão dos deputados e senadores. Embora a discussão agora chegue nas mãos brancas dos lobbies, dos acertos e do trampolim eleitoral que se converteu a questão, ainda se falará muito de Delia e De Angelis. Dois homens que se tornaram rostos quase antagônicos de um mesmo debate e que mostram quantos modelos de rostos pode ter um país.


Hoje, quarta-feira, dia 18/6, o governo convocou uma manifestação de apoio a Cristinana Praça de Maio.

Delia estará à frente de tudo em suas vociferações anti-golpistas.

Não sei se por acaso, mas De Angelis, a essa hora, disse que estará rezando em alguma igreja pedindo por paz.




**** Uma história curiosa é que o Governo é acusado de começar uma ivnestigação contra De Angeli. Para achar algo em seu passado. O que seria um ás na manga virou uma piada sem graça para o oficialismo. É porque descobriram que, na época que estava sendo despejado de sua pequena fazenda por estar todo endividado, o líder do paro achou e devolveu uma maleta com um monte de dinheiro para um ricão de sua província. Perguntado pela oportunidade perdida de salvar sua terra da desapropriação, respondeu simplesmente: "o dinheiro não era meu". Mais um ponto na criação de um mito nacional.

sábado, 14 de junho de 2008

SAMBA RARO


O meu amor por samba esbarra na pouca seriedade com que é levado pelas mentes brilhantes e asfálticas do meu país. A geração rock indie tênis vermelho é a que domina os cadernos bês de nossos jornais e as revistas especializadas. Muitos acham que samba é bloco de rua no carnaval, zeca pagodinho no churrasco ou joguinho de sinuca na Lapa numa sexta. Não entendem que o samba é tudo que se tem pra saber sobre música e sobre alma.

Acontece que sambas antigos, gravações originais, raros (e nem tanto assim. Um Martinho da década de 80 não é o que podemos chamar de raridade) são bem difíceis de achar na vida real e na Internet. Na minha febre de vinis, catei muitos num sebo localizado na Carioca no Centro do Rio (reduto de alguns bons djs que se dedicam a isso). E daí veio muito do pouco que conheço. Os discos ficaram no Brasil, mas a febre não.

Pesquisei por dias na Internet. Não achava nada sobre samba que valesse a pena baixar e que já não tinha baixado. Mas aí, numa jogada do destino, achei uma mina de ouro. Trata-se do Blog Prato & Faca.

Lá estão disponibilizados para download discos muito bons, alguns de Ismael Silva (quase impossíveis de achar), Paulinhos do início da carreira, Candeia, até Carlos Cachaça. Ainda não são muitos, mas o acervo parece que está crescendo. Que mais iniciativas como essa decolem.

Aí vai uma dica. Diferente desse que vos fala, um blog que realmente vale a pena de ser acessado.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Se segura, malandro!

por Bruno Moreno e Rodrigo Brayner

Com os olhos embotados de lágrima e espanto, descobrimos o genial cinema brasileiro através de um filme que está completando 30 anos de seu lançamento. Trata-se da obra-prima "Se Segura Malandro".

É tarefa difícil , para quem não o conhece, dizer sobre o que se trata. Tentaremos. É uma mistura de absurdo com o absurdo da brasilidade. O nonsense do cotidiano brasileiro contado de uma maneira magistral, ao mesmo tempo cômica, inteligente, pastelão e triste. É um apanhado quase teórico do conceito da malandragem, da lei de Gérson, da passagem pelo acostamento dos brasileiros, da hipocrisia cidadã , imortalizados e tematizados criticamente por Hugo Carvana em suas obras.

O eixo principal do filme é baseado no programa de uma rádio ilegal, que dá nome ao filme, comandado por Paulo Otávio (Hugo Carvana) que mais parece parece um imperador de pijamas em seu esconderijo. É como se fosse uma espécie de malandro mais mórbido e vingativo. Uma segunda face do malandro Dino, eternizado por ele nos dois "Vai Trabalhar, Vagabundo" . O slogan da rádio é "sorrindo se chega mais fácil ao meio do inferno". E é "feito para todos aqueles que estão com a corda no pescoço — se você foi despedido pelo seu patrão, nos procure: se sua mulher lhe trocou pelo vizinho, não chore; nos procure que nós lhe arranjamos outra. Bom dia, seu Gonçalves, cuidado para não perder a hora! Vamos acordar, minha gente!".

A sua única repórter é Calói Volante (Denise Bandeira), que passeia pela cidade com uma bicicleta cheia de parafernálias narrando os acontecimentos locais e costurando as histórias do filme. Sempre fugindo da polícia, vai expondo de maneira cômica os acontecimentos. A rádio, além de contar o que passa, inventa coisas para botar ainda mais confusão na história. Como a promocao do Hotel Copacabana, que chamou a todos os mendigos da cidade a irem para frente do hotel pedirem um prato de comida, gritando a senha "Borboleta azul".


O filme também aponta seu canhão crítico para o cotidiano e mínimo. Em uma atuação inigualável de Lutero Luiz (que já havia nos brindado com seu talento em "Vai Trabalhar" como o bêbado que, junto a Pereio, protagonizou a cena da fuga do hospício, para nós, uma das melhores do cinema nacional), vê-se a história de Alcebíades, um funcionário exemplar de uma firma que, no dia que vai receber um premio por seus 30 anos de serviço, resolve expor toda a mediocridade e abuso que recebeu durante esse tempo (ao receber o relógio de ouro que o premia, seu chefe ao pegar do bolso, se lambuza com o brigadeiro que haviam deixado ali de sacanagem. O relógio vai todo cagado para Alcebiades. Uma mistura de humor “fácil” e critica embutida). Para isso, seqüestra o elevador da firma. É isso mesmo, o elevador (com a presença do eterno Wilson Grey como ascensorista). Acontece que, no decorrer da história, torna-se uma espécie de herói anti-capitalismo-rotina e , apesar de alguns reféns quererem sair, muitas pessoas passam a querer entrar em seu elevador “revolucionário” para fugir da loucura do dia-a-dia e sua firma passa a receber jornalistas (incluindo a Caloi Volante) e multidões querendo acompanhar o desenrolar do sequestro. Um dos personagens que entra é o Presidente da Sociedade Brasileira de Neuróticos , que proclama Alcebíades como o rei dos neuróticos e transforma o elevador em um inferno maior ainda (atuação impagável de Henriqueta Brieba como uma velhinha inocente que sofre mais que todos).

O filme ainda é recheado de personagens geniais. Um deles é Zatopeck, o assaltante , interpretado por Claudio Marzo. Trata-se de um gatuno galã que assalta a mulheres usando seu charme e seu enorme 45. Além disso, está sempre vestido com roupa de cooper da Adidas (da Adidas mesmo). Por quê? Para a polícia nunca desconfiar por que está correndo.

A crítica social do filme fica mais clara com o núcleo "mais sério" da obra, representada pela relação de um intelectual de esquerda com a favela. O intelectual, economista, é Candinho, interpretado por Helbert Rangel. Ele e sua esposa precisam morar em uma favela para conseguir um cargo nas empresas de seu pai. Passa a acreditar mais ainda na mobilização das massas e de seu papel como líder intelectual para guiá-las e resolve ficar lá para sempre, pelo menos até operar a suposta revolução. Acontece que o tempo vai passando e ele passa a ser explorado pelas pessoas. Visto como estrangeiro e com estranheza, sua boa vontade é brindada com desdém, ironia e e os moradores abusam de sua santidade esquerdista. Em uma cena que resume muito do que pensamos sobre essa questão, seu pai, interpretado por Milton Carneiro (infelizmente apenas lembrado como o inspetor da Escolinha do Prof Raimundo), manda dar ou descer. Ou eles sairiam da favela imediatamente ou ele nunca mais daria para eles. Estariam "condenados" a viver na favela e serem pobres. O intelectual, adivinha, antes flamejante e cheio de vozes, abandona a comunidade.

Outro núcleo do filme é interpretado pelo casal Laurinha (Louise Cardoso ) e Romão (Paschoal Villaboim). Formam um casal de imigrantes nordestinos que tentam se virar na cidade grande. Ele visa sempre as pequenas armações, as mutretas. Ela tenta manter a sua integridade na vida difícil que passam a levar (diferente do sonhado quando saíram do Nordeste), embora trabalhe de stripper e massagista para conseguir uma grana. Acontece que a pobreza cansa e eles passam a roubar cachorros e devolver a seus donos. Com o dinheiro da recompensa, vão ficando ricos e acabam montado uma empresa com esse "serviço". Além deles, há um personagem muito felliniano, interpretado por um morto. Sim, um velhinho morto em uma cadeira de rodas (que morre após ter se excitado com sua "babá", a própria Laurinha) que vai sendo carregando por diferentes personagens, rodando pela cidade, sempre cruza com o curso da história e até arranja uma namorada, também uma velhinha de cadeira de rodas (mas viva).

O final do filme é uma sugestão clara , mas simples, eficaz e dá os créditos de maneira original. É quando se chocam duas supostas ambulâncias que levam loucos para o sanatório. Dos carros saem quase todos os personagens e o pessoal da equipe técnica. Tudo ao som de Feijoada Completa, de Chico Buarque (a trilha é quase toda dele, com a junção de músicas de João Bosco e Mário Lago). A harmonização perfeita para um filme único.

“Se segura malandro” infelizmente caiu numa espécie de esquecimento da arte brasileira (pelo menos os jovens já não reconhecem tanto). Esse esquecimento é acompanhado do pouco valor que se dá a Hugo Carvana como um pensador e realizador fundamental para que se entenda os movimentos de nossa sociedade. Dotadamente carioca, com um toque suburbano, quase Aldir Blanc na linguagem, Carvanão universalizou a malemolência dos malandros do país, os dotou de crítica, corpo e profundidade. Mostrou, através da única linguagem que o brasileiro culto e inculto parece entender, a do absurdo, que o único jeito é sorrir mesmo porque, como aponta o seu inesquecível programa de rádio, “já chegamos ao inferno”.


Grito 1: Pra quem quiser ver: é se ligar na programação do Canal Brasil, único lugar onde passa atualmente.

Grito 2: Quem tiver fotos em alta, vídeo etc, bota no youtube, divulga, reparta o pão. Não há nada sobre o filme nessa grande , e às vezes ínfima, Internet.



terça-feira, 3 de junho de 2008

Carrinhos de bate-bate



Parece que as grandes marcas de automotores se renderam à "solucao verde". Em plena crise do preco do petróleo e inegável degradacao ambiental de nosso planeta, os bem-sucedidos , geniais e dinheiristas (mas desumanizados) empresários da área , comecarao a produzir carros elétricos e/ou mais ecologicamente corretos.

A folha da pamonha está em achar que tudo isso é pelo senso coletivo e de bem-estar social desses homens e mulheres. A decisao vem para se esquivar de uma possível (e provável) falta de combustível no mundo todo e pelo apelo de uma solucao ecológica para a consciencia dos consumidores. A pressao aumenta. Ser tao capitalista já nao vai ajudar tanto a ter capital. Ser green é legal, dá dinheiro e respeito. Segundo o estudo da KPGM, o interesse dos executivos dessas empresas por carros elétricos cresceu 65% de 2006 para 2008.

A idéia é que esses carros sejam movidos à bateria de ions-lítio, usada em celulares e laptops. Além disso, rola o boato que , em 2012, a Comissao Européia pode pedir para que a emissao de CO2 dos modelos nao supere a 120 g/km (atualmente , um carro comum lanca 160g/km). Segundo o El País, um executivo da Renault disse recentemente que "produzir carros economicos com emissao zero de co2 é o objetivo mais importante que a indústria automobilística pode alcancar". Rick Wagoner, presidente de General Motors, disse também que "impulsionamos a diversidade energética a um ritmo e com uma dedicacao sem precedentes". Exemplo disso é que já está aprovado o orcamento para o Chevy Volt, um carro movido a gasolina e eletricidade. E, para acabar de vez com as dúvidas, a GM anunciou que até 2010 fechará algumas fábricas de caminhoes e veículos de grande porte. Tudo visando a producao de carros de baixo consumo. Alguns especialistas ainda acham que se a China anunciar incentivos fiscais, a producao (ve-se exploracao da mao de obra chinesa) vai disparar.

Pode parecer incrível, mas a previsao é que em dois anos já comecem a aparecer os primeiros carros. A Nissan lancará um em 2010 (Japao e Estados Unidos). A austríaca Magna Steyr, que produz os Jeep Commander e Chrysler Voyager, comecará a produzir em 2009 as baterías de ión-litio para uma marca de automóveis ainda nao revelada. O italiano Pininfarina vai lancar um mini-carro eléctrico de luxo em 2010. Nos Eua, a Telsa Motors já produz o Tesla Roadster 100, um modelo esportivo, de potencia e elétrico (para pegar o público masculino que troca a paixao pelo sexo pelo amor ao carro).

Tudo mostra que os carros elétricos estao chegando. Mas , como nada nesse mundo empresarial é bonito, resta saber como se dará isso pelo lado humano. Até que ponto esse afa vai interferir negativamente na mao-de-obra (principalmente dos países em desenvolvimento, onde estao muitas fábricas), que tipo de interferencia ecológica vai haver com a producao desses carros, que concessoes essas empresas vao dar para suportar a pressao do lobby petroleiro (que nao vai querer perder a bufunfa recebida pelo consumo de combustível) e a luta desse mesmo lobby contra o lobby das empresas de informacao (Google, Ebay, etc) , que já se converteram em bons investidores de tais modelos.

Voz Espanha

Voz Eua

Voz Comissao Européia

domingo, 1 de junho de 2008

Experiência Colombiana


Entrevista muito interessante com o jurista colombiano de Rodrigo Uprmny, ex-integrante da Corte constitucional de seu país, ao Clarin. A Colômbia, desde 1957, tem uma experiencia de independencia judicial única no continente. Acontece que o Poder Judiciário lá se isolou das influências dos partidos políticos. No passado, a Corte Suprema elegia seus próprios substitutos. Que por sua vez escolhiam os magistrados dos tribunais coletivos e, estes, aos juízes. Isso a dotou de interessante independencia. O lado negativo é que surgiu uma espécide de aristocracia judiciária e formas de clientelismo judicial interno. O que, em 1991, foi em certa forma corregido com a substituição da indicação por concursos e uma carreira judicial (ao menos nos tribunais superiores). Polemicas a parte, fato é que na Colombia há uma independencia saudável do sistema jurídico com relacao às pressoes políticas. Por isso a importância da formação cidadã, instituicional e política dos juízes.

O grande pulo do gato é a agilização de alguns processos. "Qualquer cidadao pode apresentar uma ação de amparo ante qualquer juíz caso sente que seus direitos fundamentai não foram respeitados. Pode apresentar-se diretamente, sem advogado e, inclusive, verbalmente. O juiz tem que tomar a decisão em , no máximo, dez dias. A apelação tem que transcorrer também de forma rápida. Isso aproxima muito o cidadão do processo judiciário".

O que acontece também é que um juiz tem o direito de decretar uma lei como inconstitucional e, aí, a proibição ou autorização (de acordo com o caso) pode ser aplicado em outros casos em que essa lei é envolvida, não necessariamente no caso julgado (principalmente nas ações populares, como por exemplo contaminação ambiental de uma pequena cidade). O interessante é que se obriga a aplicação da lei por essas decisões. E a experiência na Colombia mostra que elas estão sendo aplicadas. "O que não acontece no país é rebeldia clara contra as decisões judiciais. Quando uma norma é declarada inconstitucional, ninguém mais a aplica. Mas, quando se dão as ordens contrárias, de fazer algo, aí sim há muita discussao e polemica pelas decisoes da Corte. Ainda mais atualmente com essas investigações com grupos paramilitares e partidos políticos. Mas isso é parte da democracia colombiana. Mesmo precariamente mantém o conceito de quando uma decisão é tomada, é acatada. Nem sempre se cumpre, mas ao menos é aceita".

Mesmo com essa experiência, Uprimny reconhece que um juiz sozinho não é o suficiente para um azeitado sistema de acesso à Justiça. "Tem que entrar também os poderes políticos e dos cidadãos na aplicação dessas leis".

E enumera algumas ações para melhorar a Justiça na América Latina: "Primeiro, há que se ter a garantia de independência do sistema judiciário. Segundo, há que ter uma pressão de suas competências para fortalecer sua intervenção na proteção dos direitos. Terceiro ponto, e a Colômbia tem se esforçado nisso, é tratar de superar a lentidão de algumas práticas judiciárias, recorrendo a juízos orais, ou de outra natureza, que sejam mais rápidos ou mais próximos da população. O que está ligado a um quarto ponto, de assegurar mecanismos de forte acesso da população. E um último, mais polêmico (mas que comparto) é gerar outros espaços de resolução de conflitos, para que nem tudo chegue à Justiça e ela possa se concetrar nos pontos mais trascedentais. Mas isso de varia de país para país".

No Brasil, onde a pressão política (aliada à pressão empresarial) é quase sempre nociva, essa experiência não seria ideal ? E , para garantir juízes comprometidos com decisões cidadãs, não era necessário apostar na vigilância da formação desses juízes? Um terceiro poder, civil, pra controlá-los? Muito para discutir. E muito para aprender com a experiência do país vizinho.

Voz Clarín

Outra voz